Lampião e a Bíblia
Em seu
maravilhoso livro "Aventuras com a Bíblia no Brasil", escrito
no início do século XX, o qual será brevemente reeditado em nova tradução, o
pastor britânico F. C. Glass nos conta este episódio interessantíssimo de sua
vida como colportor no interior do nosso país. Vamos dar-lhe a palavra, em
tradução adaptada:
Pouco tempo atrás, aconteceu um incidente perto da
cidade de Garanhuns, Pernambuco, o qual nos mostra como a influência da Bíblia
se estende por todas as camadas sociais, mesmo entre a temível classe dos
bandoleiros nordestinos, que durante tantos anos têm causado morte e desolação
na região nordeste. Seu líder, Lampião, tem desafiado e provocado todas
as forças do governo e suas bem preparadas campanhas e emboscadas.
Por mais de dez anos ele e seus homens têm
cometido crimes mil vezes mais terríveis do que aqueles de que julgavam capaz o
bandido americano Dillinger. O temor e horror desse homem sinistro se espalhou
por todos os lados. Mães de família muitas vezes faziam calar os seus filhos
que choravam, apenas com a simples menção do nome de Lampião.
Esse bandido tem sob o seu comando quarenta homens, todos bem
armados, que são demônios terríveis e impiedosos. Lampião é muito
religioso, trazendo sempre pendurado ao pescoço um crucifixo e muitas cruzes,
no que é imitado por todos os seus homens.
Certo dia, um desses terríveis bandos de criminosos irrompeu
subitamente, atacando uma humilde fazendinha, cujo proprietário era um homem
recentemente convertido, que amava muito o Livro que o conduzira à luz da
verdade que liberta da mentira religiosa. Sua Bíblia ocupava em casa uma
posição de destaque. Penetrando repentinamente naquela casa, com um palavreado
cheio de pragas horríveis, os homens do temível bando, de horrenda aparência e
usando vestimentas muito estranhas, ameaçaram e apavoraram os moradores,
gritando: "Viva Deus!" A essa exclamação os cristãos responderam,
imediata e humildemente: "Viva!" Quem sabe os bandidos pressentiram
que os donos do lugar eram “protestantes”, pois um dos homens, de aparência
ferozmente iracunda, olhou para eles com certa dúvida e, de faca em
punho, acrescentou: "E vivam todos os santos!". A
esse grito os habitantes da pequena fazenda tiveram a coragem de
responder com um silêncio profundo.
Embora os intrusos parecessem um tanto desconcertados, começaram a
procurar algo com que iniciar a pilhagem, encontrando uma Bíblia ricamente
encadernada e de tamanho fácil para ser carregada. Perguntando que livro tão
bonito era aquele, uma das pessoas da casa, orando em silêncio, pedindo ao
Espírito Santo que lhe desse a resposta adequada e em cinco minutos, fez uma
rápida descrição do conteúdo da Bíblia.
Os homens ficaram, evidentemente, impressionados. Suspendendo a
pilhagem e deixando apressadamente a casa, montaram em seus animais e partiram
céleres como o vento, carregando com eles apenas o precioso volume.
Depois de cavalgar cinqüenta a sessenta quilômetros, o bando sinistro chegou à
propriedade de um fazendeiro presbiteriano, muito abastado, que havia partido
bem cedo para uma longa jornada, naquele dia. Os homens, furiosos e com
terríveis ameaças, exigiram da família, tomada de verdadeiro pânico, a soma de
cem mil réis. Vendo que nada podiam obter decidiram levar consigo a mulher do
fazendeiro como refém, pelo dinheiro que tinham pedido e não tinham conseguido
receber, preparando-se para colocar em prática a sua decisão. Exatamente
nesse instante, pela bondade e misericórdia de Deus, um jovem, também
crente, parente do fazendeiro ausente, chegou a cavalo e entrou na
propriedade. Tendo ficado, em poucos momentos, ciente da situação, por todos os
meios possíveis ele tentou fazer com que os bandidos desistissem do seu
propósito. Finalmente decidiu oferecer-se como refém, no lugar da pobre mulher.
Depois de se consultarem entre si, os bandidos concordaram com a troca. Em
poucos instantes o grupo de malfeitores cavalgava, levando o jovem amarrado ao
seu próprio cavalo, cercado pelos bandidos.
Após terem cavalgado, velozmente, por algum tempo,
afrouxaram as rédeas e começaram a conversar com o prisioneiro. Bem depressa
este principiou a falar-lhes sobre o Senhor Jesus Cristo e do modo pelo qual se
convertera de sua vida pecaminosa, tendo os homens escutado com grande
admiração tudo quanto ele dizia, até que um deles começou a rir, dizendo:
"Sim, eu sei que o que ele diz é verdade porque tenho, guardado em minha
sela, um livro que me conta tudo isso!"
Mais tarde, depois de terem novamente conferenciado entre si,
informaram ao prisioneiro que ele estava livre e podia voltar para casa.
Escutando notícia tão boa, o jovem pediu consentimento para orar antes de
deixá-los. Muito surpresos diante daquele pedido, os bandidos
consentiram. Ajoelhando-se no meio daqueles cruéis assassinos, armados, até os
dentes com armas recentemente manchadas do sangue de suas vítimas, o
jovem herói cerrou os olhos e erguendo a voz numa prece sincera, não por si
mesmo, mas por aqueles homens tão maus, pediu que Deus os conduzisse ao caminho
da paz, por intermédio de Jesus Cristo. Não é fácil imaginar um ato mais cheio
de coragem ou fazer idéia de cena mais comovente do que esta! Separaram-se,
então, como amigos e os bandidos desapareceram em densa nuvem de poeira,
levando em seu poder a preciosa Bíblia roubada.
Quase um mês mais tarde, o bandido que possuía a
Bíblia furtada projetou um assalto cheio de maldade, a poucos quilômetros dali.
Com extrema relutância escondeu a Bíblia numa grande árvore da floresta, a
qual, provavelmente, já havia servido muitas vezes de esconderijo para frutos
de pilhagens, por ele obtidos de maneira tão errada.
Logo depois, um camponês que estava procurando mel
silvestre, ficou surpreso ao descobrir aquele buraco na árvore e dentro do
mesmo o Livro que ali fora escondido. O homem não sabia ler, mas tal achado causou
sensação entre os seus amigos. O Livro tornou-se alvo de muita admiração e
especulação, por muitos quilômetros da redondeza, até que apareceu um homem que
sabia ler. Este, por sua vez, ficou tão profundamente interessado no caso
que levou consigo a Bíblia, quando voltou para casa.
Entrementes, tendo concluído sua tenebrosa tarefa, o
bandido "dono da Bíblia" voltou à floresta para reaver o
precioso Livro. Terrivelmente surpreso e enraivecido ficou, ao perceber que o
precioso guardado havia desaparecido da cavidade da árvore. Com o seu bando de
assassinos percorreu toda a vizinhança da floresta, tentando obter qualquer
informação sobre o tesouro perdido, até que, certa noite, o camponês ficou
aterrorizado quando viu sua casa assaltada por esse bando de criminosos tão
afamados, cujo chefe, enfurecido, exigia imediatamente, sob ameaça de morte, a
devolução do Livro. Tendo a Bíblia de volta, o bandido a colocou na sela e
desapareceu, numa nuvem de poeira.
Queira
Deus que as palavras de Isaías 55:11 tenham encontrado aí mais uma de
suas realizações: "Assim será a minha palavra, que sair da minha boca;
ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo
para que a enviei".
F. C. Glass/Mary Schultze - 14/02/2002
Publicado anteriormente no site do CPR
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