Cristianismo Histórico e o Desafio dos "Desigrejados"




Há em nossos dias um grupo religioso pós-moderno chamado de "desigrejados" cuja militância é opor-se a reunião em um templo ou salão, ou um lugar adequado para se reunir, desde que esse lugar seja chamado de "templo" ou "igreja". É claro, que a eclésia, o termo grego traduzido por igreja, significa o conjunto daqueles que são chamados para fora, uma assembleia, uma reunião para fins específicos, então dentro de uma perspectiva cristã, para adorar, cultuar e aprender sobre as coisas divinas. Que a igreja somos nós, não há duvida nenhuma, qualquer teólogo sabe disso, qualquer cristão maduro e coerente sabe disso. Que um templo possa ser chamado de "igreja" deve ser entendido apenas como figura de linguagem, pois de fato só é igreja de verdade quando os salvos estão reunidos dentro dela. Porém a questão que surge nesse assunto, é a oposição que os "desigrejados" fazem ao templo. Uma militância violenta contra a reunião de cristãos num templo, tem sido o cavalo de batalha desse grupo, que embora tenha em suas fileiras muitos cristãos sinceros, o movimento tem revelado que uma grande parcela de seus militantes acabam caindo nos mais devassos erros doutrinários e descambam ligeiramente para a apostasia. Aliás, a historia da fé cristã seus martires, seus desbravadores missionários, seus apologistas, os mais nobres santos, os mais abençoados pregadores, os mais refinados teólogos, as associações missionarias, as sociedades bíblicas, os mais tenazes profetas, não foram dados pelos desigrejados, o cristianismo foi erguido com o labor, o sangue, o testemunho da igreja institucional. Que a historia conte isso, pois é um fato irrefutável, você não encontra um desigrejado abrindo um trabalho no Paquistão ou desbravando a floresta amazônica ou partindo para o interior da africa num  trabalho missionário, tudo isso e muito mais tem sido feito pela igreja institucional, inegável esse fato.  Repito, sei que há entre eles, grupos sinceros e pessoas realmente cristãs, não é a esses que dirijo minhas criticas mais severas, porém se faz necessário refutar e e denunciar os erros consequentes de uma péssima exegese, que acaba enquadrando muitos deles como hereges e apostatas.

Um dos jargões mais usados pelos desigrejados é "Eu sou o templo"  o fato é que a bíblia ensina que somos o templo, mas veja bem, I Corintios 3:16 diz "Não sabeis vós que sóis o templo de Deus, e que o Espirito de Deus habita em vós".(Veja também II Corintios 6:16) Agora note que Paulo não diz que somos os templos, não ele diz "Sóis o templo" ou seja o grupo, um cristão particular não é um corpo, mas um membro, não é um templo, mas a pedra da edificação, chamada o templo, ora isso está em comum acordo com I Pedro 2:5 que afirma "Vós também, como pedras vivas, sóis edificados casa espiritual". Entender isso é importante, para não recorrermos em erros. Havia um templo na antiga aliança e ficava em Jerusalém, há um templo na nova aliança é é a igreja, no céu haverá um só templo e será o proprio Deus (Apocalipse 21:22) Um cristão particular não é um templo, é a pedra dessa casa espiritual, todos juntos somam o templo, assim como um cristão é um membro do corpo de Cristo e não o corpo de Cristo, um cristão não é o templo, mas uma pedra desse templo. Isso também está em comum acordo com Efésios 2:20 e 22. O versículo 22 diz "No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espirito".   Agora veja bem, há um único versículo nas Escrituras que parece apontar  para um templo individual, que é I Corintios 6:19 "não sabeis que o vosso corpo é templo do Espirito Santo" Esse versículo porém deve estar subordinado a todo o contexto que trata do assunto. De outra forma, encontraremos contradições nas Escrituras. Mas veja bem que de fato, o Consolador é prometido aos cristãos, e por ser prometido a nós, Ele vai morar em nós, concedendo a força e a coragem necessária para o testemunho, o poder para fazer todo o corpo de Cristo se mobilizar a atuar espiritualmente no mundo.(João 14:26) Aliás durante todo o capitulo 6, Paulo direciona-se ao conjunto dos cristãos, e esse é o contexto que deve ser analisado. Então nunca que o Novo Testamento ensina que um cristão é o templo, não do modo funcional, como revelado na Nova Aliança, num sentido de edifício bem ajustado, porque a própria palavra eclesia, no original não está associada ao individualismo, mas a reunião solene de certo numero de pessoas. Entender isso é importante, porque dizer que eu sou o templo, quanto a identificação de ser igreja, é fruto de uma má exegese, como demostrado.

Mas muitos apelam para o discurso de Estevão no capitulo sete de Atos, Estevão usou de certa forma, expressões figuradas no seu sermão, isso é obvio, por exemplo em Atos 7:30 Estevão afirma que o "Anjo do Senhor" apareceu a Moisés, e no versículo 38 afirma que Moisés esteve com o anjo que lhe falava no monte Sinai. E então o auge da passagem "Mas o altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens..."(Atos 7:48) Aqui há uma negação: "não habita" É claro que o contexto explica porque: "O céu é o meu trono, a terra o estrado dos meus pés. Que casa me edificareis? diz o Senhor"(Atos 7:49) e isso deve ser interpretado dentro do contexto geral das Escrituras. Todavia devemos entender que o Espirito Santo assim disse através de Salomão "Certamente edifiquei uma casa para morada, assento para tua eterna habitação"(I Reis 8:13) isso concorda com Êxodo 29:8 "E me farão um santuário, e habitarei no meio deles" veja que Salomão e Moisés não podem contradizer Atos 7:49 em I Reis 8:27 notamos que Salomão entendia as implicações concernentes ao templo, todavia ele tambem conhecia o que dizia o Senhor em Exodo 25:8 É preciso entender que ao mesmo tempo em que o templo e o tabernáculo foram habitação representativa de Deus, revelando sua humildade em habitar com os homens, até a plenitude dos tempos (Galatas 4:4) quando o Verbo se faz carne e habitou entre os homens, assim a presença de Deus no templo era um prenuncio da encarnação do Emanuel Deus conosco, assim Deus em Cristo habitou com os homens. Veja que os crentes da antiga aliança já tinham a noção de que a habitação do Senhor é os céus (II Cronicas 6:21 Deuteronômio 26:15, Salmos 11:4) e não a terra, mas por outro lado de forma gloriosa, o Deus misericordioso também sujeitou-se a habitar num lugar, assim o Senhor revela ser intimo e pessoal. Ora o termo "casa do Senhor" aparece cerca de 285 vezes e "casa de Deus" 85 vezes nas Escrituras. Atos 7:48 e 49 não é uma negação de que templos físicos não podem conter ao Senhor, pelo contrario podem conter a sua presença de acordo com a sua manifestação. (I Reis 8:11) Devemos entender o contexto de tal declaração pois de outra forma Atos 7:48 e 49 anulam a promessa de Cristo em João 14:23 "Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada".  Tome isso como exemplo para interpretar Atos 7:48 e 49 e encontrará uma dificuldade insolúvel, ou Jesus ou Estevão estão errados. A exegese correta é que o templo era morada de Deus, mas jamais poderia conter a plenitude absoluta de Deus, ou melhor, jamais poderia conter a presença de Deus em absoluto, porque de fato todo o universo é muito pequeno para Ele. Assim, Estevão não estava negando um fato, e nem poderia fazer isso. O próprio Senhor Jesus em Mateus 21:13 cita Isaías 56:7 onde diz "A minha casa será chamada casa de oração..." Cristo estava fazendo uma referencia ao templo. Esdras cita a casa do Senhor em Jerusalém (Esdras 2:68) o Senhor disse a Natã "Eis que eu moro em casa de cedro" (II Samuel 7:2) Moisés ordena a trazer as primícias a casa do Senhor teu Deus (Êxodo 23:19) no seu todo o que a bíblia quer dizer é que toda a totalidade da divindade no seu ser absoluto não cabe num templo feito por mãos de homens e nem mesmo no corpo humano. Nesse caso, usando a mesma logica, podemos concluir que sendo o Céu o Seu Trono e a terra o escabelo do Seus pés, jamais pode se cumprir em nós a promessa de Cristo "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada" (João 14:23). Se um templo não pode conter a presença absoluta de Deus, muito menos o corpo humano. Uma exegese correta evita confusão e também falsos ensinos. Sejamos coerentes, pois Cristo em João 4:23 expoe com clareza a onipresença do Deus Todo-Poderoso, e assim sendo se a reunião de adoração for debaixo de uma arvore, ali estará o Senhor, se em uma sala, ali está o Senhor, se um um prédio, ali está o Senhor. No deserto, ali está o Senhor, enfim a onipresença de Deus faz a diferença na Nova Aliança. Mas isso não exclui um lugar especifico de reunião, mas amplia a adoração e a tira das limitações de dois ou mais lugares centrais.

Agora veja bem, um dos principais cavalos de batalhas dos desigrejados é o templo, dizem eles que o templo foi destruído, que não mais precisamos se reunir num templo. Lógico que o templo de Jerusalém, seus oficios e cerimonias já se foram, todavia, se reunir em um lugar adequado, usar um púlpito, não é errado, o quesito fundamental é o modo como nos reunimos e o motivo certo pelo qual estamos reunidos.  Porquanto a bíblia nada fala sobre onde nos devemos reunir, porém enfatiza muito bem a importância da doutrina (Atos 2: 41 a 43 com Tito 2:1). Não existe nenhuma indicação favorável ou desfavorável aos cristãos se reunirem num salão ou num prédio, á parte, que alguns chamam de "templo", debaixo de uma arvore ou na sala de uma casa, pois é bem claro que os primeiros cristãos, mesmo ciente que o véu do templo tinha se rasgado, ainda frequentaram o templo e se reuniam nas casas (Veja Atos 3:3,10, 5:20,21, 40). Se o templo não tivesse sido destruído e a igreja de Jerusalém ainda existisse hoje, estariam Pedro e João  indo ao templo sob a reprovação e critica de muitos entendidos em assuntos espirituais. Aqui está um fato, a bíblia apoia quem se reúne em casa, mas não reprova quem se reúne de modo contrario. Não é errado, exatamente por esse motivo, nem todo o silencio da bíblia significa condenação, por favor!. A reunião dos cristãos pode se dar em um lugar conveniente a todos, e desde que o evangelho seja pregado com fidelidade, que arrependimento e a obra consumada de Cristo seja pregada, que a bíblia seja ensinada, que o culto seja espiritual e os hinos sejam de adoração, que se pregue a sã doutrina e as pessoas recebam a regeneração, isso deve sim, deve ser fundamental. Jesus em sua conversa com a mulher samaritana apenas atribui ao fato de que a adoração não está limitada a um lugar especifico, mas que pode ser em qualquer lugar apropriado, a questão não é o lugar, mas o estado de espirito, como Ele mesmo disse "Em espirito e em Verdade"(João 4:21 a 23)  assim, pessoas se reunindo fora de um templo sustentado erros não estão em melhores condições do que um grupo reunindo-se num templo defendendo e pregando as doutrinas fundamentais da fé cristã e adorando em espirito e em verdade. Ora, sem duvida, não estou condenando todos, há bons cristãos e irmãos entre esses, que merecem respeito, porém é preocupante o rumo que muitos tomam. Uma vez que é em espirito e em verdade, isso significa que o modo como, e não o lugar, é a base do ensino da Nova Aliança. "Porque o Pai procura a tais que assim o adorem" (João 2:23) Uma adoração verdadeira dentro de um "templo" cristão é tão aceitável quanto numa garagem organizada para uma reunião cristã.

Talvez o problema maior com os "desigrejados" seja as denominações, e até certa medida concordo com eles, as divisões tem sido sim um problema, porém, um estudo sério do Novo Testamento parece indicar que isso era inevitável desde o começo, e a prova é o rumo que a igreja toma através de seus lideres até o concilio de Niceia.  Enquanto que haviam grupos que interpretavam a bíblia literalmente, outros interpretavam de modo alegórico, João Crisóstomo e Orígenes, são exemplos, escola antioquenha e alexandrina também. As sete Igrejas da Asia de Apocalipse 2 e 3 revelam como o problema já era grave naqueles primeiros dias da igreja.  Mas a historia da fé cristã foi escrita pelos cristãos denominacionais. Os mártires da fé, os desbravadores missionários que entraram no interior da Africa, China, America do Sul, os tradutores da bíblia aos indígenas, as missões aos leprosos,  a produção e distribuição em larga escala do Novo Testamento, os maiores centros missionários, instituições de caridades, os maiores apologistas, pregadores e escritores, poetas e compositores nasceram e viveram dentro das denominações, isso prova que os frutos do Espirito segue os verdadeiros cristãos não importa onde estejam.(Galatas 5:22) Deus usou ferramentas humanas com muito poder dentro das denominações, de sorte que a biografia é muito extensa, para citar aqui, o contingente é enorme dos heróis da fé que deixaram as marcas do serviço pelos vinte seculos de historia que a igreja cristã já atravessou.  E embora o joio continue crescendo no meio do trigo, é de fato uma insensatez enorme, querer condenar todo o campo do trigo, porque o joio cresceu dentro dele. Acontece, que assim como Israel toma um rumo complicado no Antigo Testamento, dividindo-se, a igreja toma o mesmo rumo, e isso é claro, que onde há homens unidos há sempre desunião. Esse é o paradoxo da raça humana, mesmo entre os santos (Veja Atos 15:37). É lamentável isso, porém a Igreja de Cristo segue como coluna e baluarte da verdade, ela é feita de pessoas regeneradas, e quando reunidas num ambiente adequado, quando há comunhão e a Palavra de Deus é pregada e todo o conselho de Deus proclamado, constitui-se de uma benção maravilhosa. E isso se comprova na maneira como minha família se sente grata depois participar de um culto espiritual. Assim também, o enorme numero de pessoas transformadas pelo evangelho (II corintios 5:17) que durante todos esses anos eu vi com meus olhos, advogam os fatos como realmente são.


Clavio J. Jacinto

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