O Estudo do Sagrado: Quando a Teologia Encontra o Sinai
Há um equívoco fundamental em nossa era, tão difundido que se tornou a norma: a ideia de que Deus pode ser aprendido como uma matéria acadêmica. Acreditamos que podemos dominar os mistérios do Eterno com a mesma técnica com que um químico domina as reações ou um engenheiro, as equações. Transferimos para o reino espiritual os métodos do reino natural e esperamos uma conclusão lógica. O resultado é uma teologia estéril, um conhecimento inflado que não transforma, não reverencia e não salva.
A verdade, confrontadora e bíblica, é esta: as faculdades carnais da inteligência humana jamais conferem a um homem vantagem sobre o outro nesse empreendimento. Tudo o que você já aprendeu na vida não se compara ao aprendizado de Deus. O apóstolo Paulo expõe o cerne da questão: "Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Coríntios 2:14). O problema, portanto, não é de QI, mas de natureza. Não é uma falta de informação, mas uma necessidade de transformação.
Aqui surge o alicerce não negociável: a piedade e a reverência são condições espirituais necessárias para que o homem regenerado possa estudar as Escrituras e alcançar as profundezas de Deus. Sem um coração quebrantado e um temor saudável, o estudo da Bíblia degenera em especulação filosófica ou em arma para debates vazios. A teologia é uma empreitada sagrada. É preciso ser santificado pelo Espírito de Deus para usufruir de seus benefícios.
Este caráter sagrado nos remete a uma cena fundamental: o homem Moisés diante da sarça ardente. A voz que ecoa do fogo não é um convite casual, mas uma demarcação solene do espaço santo: "Não te aproximes daqui... Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa" (Êxodo 3:5). A pergunta que devemos fazer, com humildade tremenda, é: Se Deus disse a Moisés: "Não te aproximes daqui", como uma advertência, e novamente: "Tira as sandálias dos teus pés", como uma ordem e uma condição, é razoável supor que o Senhor diria algo semelhante aos cristãos modernos?
A resposta das Escrituras é um retumbante "sim". O acesso à presença de Deus nunca foi um direito universal, mas um privilégio estabelecido por Sua graça e condicionado à Sua santidade. O Salmo 24:3 questiona: "Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no seu lugar santo?". Ainda hoje, nem todos podem entrar na presença de Deus a qualquer momento. Você não pode simplesmente decidir fazê-lo quando quiser por mérito próprio. O Novo Testamento não revoga essa exigência de santidade; ele a internaliza e a aprofunda.
Portanto, ao se aproximar do estudo de Deus — ou seja, da Teologia — deve-se comportar como se estivesse se aproximando do próprio Deus. Pois é isso que está acontecendo. Deus fala através de Sua Palavra, mas nem todos o ouvem! Deus ensina e expõe doutrinas, mas nem todos são capazes de compreendê-las! O agente fundamental do ensino divino é o próprio Deus, pelo Seu Espírito. A Teologia só pode ser "ensinada" por Deus, mesmo que se utilize o instrumento humano. É por isso que Paulo escreve: "Vós, porém, não aprendestes assim a Cristo, se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus" (Efésios 4:20-21). Notemos a sequência: ouvir Cristo é ser ensinado por Ele. O aprendizado teológico genuíno é, em sua essência, um discipulado.
Daí emerge um imperativo para a alma do crente:
APROXIMAR-SE DE DEUS EM BENDITA REVERÊNCIA E TEMOR É ALGO QUE NUNCA DEVE FALTAR NO CORAÇÃO DO HOMEM REGENERADO QUE DESEJA SE APROFUNDAR NAS DOUTRINAS SANTAS DO EVANGELHO.
Se "tira as sandálias" foi a exigência do Antigo Pacto, qual é a contraparte neotestamentária? O Novo Testamento não nos ordena a descalçar os pés, mas a despojar o coração. É uma exigência mais profunda e radical:
· "Despojai-vos do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano" (Efésios 4:22).
· "Despojai-vos de tudo isto: ira, indignação, maldade, blasfêmia, linguagem obscena" (Colossenses 3:8).
· "Largai-vos das obras das trevas" (Romanos 13:12).
Os fundamentos pelos quais todas as discussões teológicas frutíferas são conduzidas devem ser sagrados. Algumas coisas devem ser deixadas de lado. Outras devem ser colocadas em prática. Por quê? Deus é santo. Aprender sobre Deus e conhecê-Lo pessoalmente deve ser um exercício de santidade.
Este processo, no entanto, não é um misticismo anti-intelectual. Pelo contrário, ele liberta o intelecto para sua mais alta função. O intelecto iluminado não é fruto de uma busca mística, mas um mergulho na palavra viva e eficaz que transforma o coração e transforma a consciência. A mente renovada (Romanos 12:2) é aquela que foi lavada pela verdade, submetida ao Espírito e posta a serviço do amor.
E é aqui que o diagnóstico se torna urgente e doloroso. As igrejas dos tempos modernos são confrarias de hipocrisia. Todos são bem-vindos e a impiedade é comum! Em nossa ânsia por relevância e crescimento, aceitamos um pacto de silêncio sobre a santidade de Deus. Um total desrespeito pela verdade tirou o "Teo" da Teologia. O que resta é um "logia" vazia, um discurso sobre um deus domesticado, feito à nossa imagem. O cristianismo religioso de hoje é alheio ao cristianismo bíblico! Como alertou o pregador Leonard Ravenhill, "O caminho mais rápido para o inferno é pelo corredor central da igreja comum" — uma igreja que chama de "Deus" um ídolo de sua própria fabricação.
As coisas precisam mudar. Um remanescente de verdadeiros crentes deve se levantar e se inserir no debate nacional. É hora de lutar com fervor pela fé! Mas essa luta não se dá com a violência do mundo, e sim com a fidelidade inflexível à mensagem central das Escrituras. Acima de tudo, devemos proclamar a mensagem da Cruz na Paixão de Jesus Cristo! Só a Cruz revela a santidade intolerante de Deus contra o pecado e o amor incomensurável de Deus pelo pecador. Só então as almas perdidas compreenderão a pecaminosidade do pecado. Só então os pecadores se renderão e se prostrarão aos pés de Jesus Cristo.
Portanto, o clamor final é por uma nova geração de estudiosos e adoradores.
A igreja moderna precisa de homens que sejam como faróis, que sejam bíblicos e apaixonados pelos ensinos bíblicos e que possam apontar a direção correta em meio aos pregadores superficiais que através de discursos vãos estão pregando emoções ao invés da mensagem da cruz. Homens que, antes de abrirem seus comentários, tirem as "sandálias" de sua autossuficiência. Homens que se aproximem do Texto Sagrado como quem se aproxima do Fogo Consumidor — com reverência, com temor, e com a expectativa de serem, eles mesmos, transformados pelo encontro.
A verdadeira teologia não termina em um diploma, mas em joelhos dobrados. Não almeja informar a mente, mas conformar a vida à imagem de Cristo. Ela começa e termina no mesmo lugar: num coração que, tendo ouvido o "não te aproximes" da Lei, ouve o "aproximemo-nos" do Evangelho (Hebreus 10:22), e se achega, despojado de si, calçado apenas com a preparação do evangelho da paz, para aprender d’Aquele que é, Ele mesmo, a Verdade.
Inspirado nos escritos de Sean Michael Morris
As frases em vermelho foram extraidas de minhas meditações sobre teologia e vida espiritual.
C. J. Jacinto

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