“Não julgueis, para que não sejais julgados.”
Quantas vezes essa frase de Mateus 7:1 já não foi usada como escudo por quem,
confrontado com o erro, busca silenciar toda e qualquer forma de crítica? Em
nome de uma falsa tolerância, muitos hoje vociferam que o cristão não tem o
direito de apontar desvios doutrinários, denunciar falsos ensinos ou confrontar
comportamentos contrários à Palavra. Alegam que isso seria “julgar” — e,
portanto, pecaminoso.
Mas será que Cristo realmente proibiu todo e qualquer tipo de juízo? Ou será que a mensagem de Jesus, quando lida em seu contexto pleno, exige de nós não uma postura acrítica, mas um discernimento guiado pela verdade?
O que Jesus realmente disse sobre julgar
A proibição de Jesus em Mateus 7 não é contra o ato de julgar em si, mas contra o juízo hipócrita. A metáfora é clara: não se pode tentar remover o cisco do olho alheio enquanto se carrega uma trave no próprio. O problema não está em enxergar o erro no outro, mas em fazer isso a partir de uma posição de cegueira espiritual sobre si mesmo.
Logo em seguida, no mesmo sermão, Jesus nos ordena: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis pérolas aos porcos” (Mt 7:6). Como identificar “cães” e “porcos” sem exercer discernimento? E mais adiante, Ele adverte sobre os “falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores” (Mt 7:15). Como reconhecê-los? “Pelos seus frutos” — o que exige observação, avaliação e, sim, um julgamento fundamentado.
A confirmação explícita vem do
próprio Cristo em João 7:24:
“Não julgueis pela aparência, mas julgai segundo a reta justiça.”
Aqui, longe de proibir, Jesus ordena que julguemos — mas que o
façamos corretamente, conforme a justiça divina, e não por motivações
superficiais ou interesses pessoais.
Julgar é um ato de amor à verdade
Quem defende uma leitura absoluta de “não julgueis” costuma esquecer que o amor bíblico não é cego. O verdadeiro amor “regozija-se com a verdade” (1 Coríntios 13:6) e, portanto, não pode pactuar com o erro. Defender a verdade implica necessariamente rejeitar a mentira. Quem tolera o ensino falso em nome de uma falsa unidade, na realidade está traindo a fé que professa.
Paulo, ao corrigir publicamente Pedro por sua hipocrisia (Gálatas 2:11), não estava pecando por “julgar”. Estava exercendo um dever pastoral. Quando escreveu a Tito que deveria “exortar e convencer os que contradizem” (Tito 1:9), estava estabelecendo um princípio permanente para a igreja. E ao elogiar a igreja de Éfeso por “pôr à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos e não são” (Apocalipse 2:2), Cristo mostrou que o discernimento ativo é virtude, não vício.
Os perigos de não julgar
A história da Igreja está repleta de exemplos em que a falta de discernimento levou a graves desvios. Os primeiros cristãos foram apologistas — defensores da fé que confrontavam publicamente as heresias gnósticas, marcionitas e outras. Se tivessem adotado o lema “não julgueis”, a ortodoxia cristã teria sucumbido em suas primeiras décadas.
Hoje, muitos que se opõem a qualquer forma de crítica são, na prática, cúmplices silenciosos da apostasia. Confundem amor com permissividade, unidade com uniformidade acrítica. Mas a unidade que agrada a Deus é a “unidade da fé” (Efésios 4:13), não um abraço coletivo ao erro.
Como julgar corretamente, então?
Comece por si mesmo — examine seu próprio coração, motive-se pelo amor à verdade e ao próximo, não pelo desejo de condenar.
Use a Escritura como padrão — todo juízo deve derivar da Palavra de Deus, não de opiniões pessoais ou tradições humanas.
Observe os frutos, não apenas os dons — milagres e eloqüência não são garantia de autenticidade espiritual (Mateus 7:22-23).
Distingua entre pessoa e prática — podemos e devemos rejeitar o erro, sem deixar de amar o errado.
Busque a restauração, não a humilhação — a meta deve ser a correção fraterna, conforme Mateus 18:15-17.
Conclusão: uma chamada à coragem discernente
Cristo julgou os fariseus chamando-os de “sepulcros caiados” e “raça de víboras”. Paulo identificou publicamente “falsos irmãos” e “falsos apóstolos”. A Igreja primitiva rejeitou heresias com contundência. Em nenhum momento agiram movidos por espírito faccioso ou farisaico, mas por zelo pela santidade de Deus e amor pela Sua Igreja.
Portanto, à pergunta “Deve um cristão julgar?”, a resposta bíblica é: sim, deve. Não com a arrogência do fariseu, mas com a humildade do servo; não com a leviandade do preconceito, mas com a seriedade da Palavra; não para destruir, mas para edificar; não por paixão partidária, mas por amor à Verdade.
Quem se omite diante do erro, por medo de “julgar”, não está sendo mais espiritual — está sendo negligente. Pois, como escreveu Paulo: “Não só façais como ouvis, mas praticai-o” (Tiago 1:22). E parte dessa prática é “batalhar pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas 1:3).
Amar a verdade é defendê-la. E defender a verdade exige, sempre, discernir entre o que é santo e o que é profano — ainda que isso nos custe o rótulo de “intolerantes”. Pois, no fim, prestaremos contas não aos homens, mas Àquele que é a própria Verdade.
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Autor: C. J. Jacinto – Texto atualizado e corrigido por IA.
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