O ÁRBITRO DO CORAÇÃO


 

O Árbitro do Coração

 

Por Thomas Cook

 

O seguinte foi tirado do livro Santidade do Novo Testamento, escrito no início do século vinte; e os homens de quem o autor falou ou citou eram lideres eminentes da religião cristã. “Tu conservarás em perfeita paz  aquele cuja mente está firme em ti: porque ele confia em ti.” (Isaías 26:3.)

 

 

A MANUTENÇÃO de uma boa consciência para com Deus no dia a dia é essencial para a vida de fé. A verdadeira espiritualidade não pode existir a menos que seja acompanhada pelo propósito de fazer o certo a qualquer custo. O arcebispo Temple disse com verdade: “É sempre um dever obedecer à consciência; nunca é um dever desobedecê-lo”. A consciência exige que tenhamos boas intenções e façamos o nosso melhor. Requer não apenas que sigamos toda a luz que temos, mas tudo o que podemos obter, e que façamos isso com alegria. A consciência exige o primeiro lugar em nosso caráter e em nossa conduta. A palavra “deveria”, como em “devo cumprir meu dever”, é, sem dúvida, a palavra mais importante em qualquer vocabulário.

Mas a consciência garante apenas boas intenções, pois sem conhecimento e bom senso, mesmo aqueles que são mais conscienciosos podem causar muito dano sob a impressão de que estão fazendo a vontade de Deus. Em alguns, a consciência desenvolve inconsistências particulares. Os homens costumam ser extremamente precisos em algumas coisas e muito negligentes em outras. Frederick Robertson enfatiza o fato de que a extrema precisão sobre os detalhes muitas vezes se transforma em frouxidão sobre as leis eternas do certo e do errado. 

* Jesus repreendeu os líderes religiosos de sua época sobre isso. Ele disse: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e omitistes as questões mais importantes da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; – Mateus 23:23

O Rev. John Newton, autor de alguns dos hinos mais valiosos da língua inglesa, foi outrora, como se sabe, um comerciante de escravos na costa da África. Após sua conversão ao cristianismo, seu estupor moral era tal que não via necessidade de abandonar seu ofício diabólico. Em sua última viagem à costa africana para carregar, ele disse que “experienciou horas mais doces e frequentes de comunhão divina do que jamais havia conhecido antes”. Escrevendo sobre sua infame ocupação, ele disse: “Nenhum outro emprego oferece maiores vantagens para promover a vida de Deus na alma, especialmente para quem tem o comando de um navio”. Este é o testemunho de um traficante de escravos, mas a piedade de John Newton naquela época era pouco menos questionável do que a de São Paulo.

A Bíblia diz que a consciência pode ficar cauterizada, embotada e cega. Temos autoridade bíblica para dizer que a consciência pode ser cauterizada como com ferro quente. *

* Nossa consciência pode ficar insensível se fizermos coisas que sabemos que são erradas, e pode ficar extremamente endurecida por meio de atos repetidos de transgressão, especialmente quando conscientemente vamos contra a verdade da Palavra de Deus. A Bíblia diz: “E assim como eles se recusaram a ter conhecimento de Deus , assim Deus os entregou a um sentimento perverso (sem discernimento), para fazerem coisas que não convêm (certo)”. - Romanos 1:28

No caso de Newton, sua consciência lhe deu um julgamento delirante. Ele havia escrito vários hinos para a adoração cristã que a igreja canta hoje antes de descobrir quão profundo era o poço no qual sua natureza moral estava apodrecendo. Mas quando o despertar veio, ele saltou do extremo de seu estupor moral para o extremo da histeria moral. Da convicção de que nada era pecado, sua consciência passou a acreditar que tudo era pecado. Por um tempo, ele dificilmente poderia ser persuadido a falar sobre outras coisas além de tópicos religiosos, por medo de incorrer na culpa de “palavras ociosas”. *

* Jesus disse em Mateus 12:36 que “de toda palavra vã que os homens disserem, dela hão de dar conta no dia do juízo”.

Existe alguma tirania pior do que a de uma consciência não esclarecida? De toda a nossa ignorância e enfermidades, nada é mais desastroso para o caráter cristão do que cair na escravidão dos escrúpulos ascéticos e proibições tirânicas de uma consciência não devidamente instruída e apaziguada pelo bom senso. É relatado que Oberlin certa vez caiu de joelhos em uma oração de remorso porque havia enviado uma carta na qual havia se esquecido de cruzar os “t's” e colocar os pontos nos “i's” com precisão. Podemos sorrir de sua loucura, mas há poucos cristãos que não se lembram de ter feito coisas tolas em suas próprias vidas enquanto estavam temporariamente sujeitos a uma consciência austera.

É por causa dessas possibilidades de perversão e contorção que a consciência humana nem sempre é um guia seguro e infalível. Nosso senso moral não foi projetado para permanecer sozinho em nossa conduta na vida e na construção de nosso caráter. Deus forneceu ao cristão outro “árbitro” ao julgar entre o bem e o mal, e esse árbitro é perfeitamente competente e confiável. “Que a paz de Deus”, disse o apóstolo Paulo, “governe em vossos corações” (Colossenses 3:15). * Grande parte da força desta Escritura é perdida pelo uso da palavra “governar”, que é traduzida como “arbitrar” na margem da Versão Revisada. 

  Que a paz de Deus reine em vossos corações, para a qual também fostes chamados em um só corpo; e sede gratos.” – Colossenses 3:15

 “É evidente”, disse um eminente expositor da Bíblia, “que São Paulo pretendia algo peculiar pelo uso da palavra grega arbitrar, que não é encontrada em nenhum outro lugar nas Sagradas Escrituras, e chamada de palavra notável por Bengel”. “Sempre que houver um conflito de motivos, impulsos ou razões, a paz de Deus deve intervir e decidir qual deles deve prevalecer.” – Bispo Lightfoot. O Dr. Maclaren explica que o significado contido na palavra grega traduzida como regra (arbitrar) é o de um árbitro em uma competição, que garante que os oponentes observem as regras e, em seguida, concede o prêmio ao vencedor legítimo.

Este árbitro não é a paz com Deus, mas a paz de Deus. É o oceano insondável da paz de Cristo, que Ele deixou como legado para o Seu povo. Jesus disse: “A minha paz vos dou”. *

* “ Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”. – João 14:27

Essa paz é um profundo repouso de espírito que recebemos quando entronizamos o Deus da paz como o Senhor de nossos corações e vidas. Quando essa paz se tornar nossa principal consideração, tudo o que perturbar esse profundo descanso da alma será instintivamente evitado, e imediatamente nos afastaremos de todo ato que teceria o mais fino véu entre nós e o rosto de nosso adorável Salvador. Um homem que está explorando um velho poço primeiro coloca uma vela nele e, se a vela continuar queimando, ele sabe que não correrá perigo; mas se a chama se apagar, ele também sabe que não é seguro explorar mais o poço. A paz de Deus é a “chama de teste” do cristão,

A questão das diversões mundanas está no tribunal da consciência há séculos, mas nenhuma decisão final foi alcançada. Diante desse árbitro (a paz de Deus), que o Evangelho convocou para o tribunal da alma, o assunto é rapidamente resolvido. *

* A paz de Deus nos ajudará a entender a diferença entre desfrutar dos prazeres inocentes e cobiçar as coisas do mundo. A Bíblia diz: “Não ameis o mundo, nem as coisas que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que  no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo”. – 1 João 2:15-16

O que não podemos fazer silenciosamente, não podemos fazer com segurança. O que quer que prejudique nossa tranqüilidade ou interfira em nosso descanso interior é prejudicial à nossa vida espiritual. Se descobrirmos que certo proceder perturba nossa paz, podemos estar certos de que há “veneno no copo” e não devemos mais beber dele. A consciência pode não discernir nenhum mal, mas a paz de Deus é um instrumento mais delicado, lidando com questões muito sutis para a consciência responder e operando em uma esfera mais elevada.

A paz de Deus não aprovará nada em que Cristo não possa ser introduzido e designado para o assento de honra. A paz de Deus deve ser para nós o que o barômetro é para o marinheiro, e se nossa paz for perturbada, tomemos cuidado. Sempre que encontrarmos nossa paz em perigo, devemos refazer nossos passos. Em todas as questões de dúvida, quando impulsos e razões conflitantes nos distraem e parecem nos puxar em direções opostas, nossa segurança é deixar que a paz de Deus decida nosso curso de ação. Sob Sua liderança vigilante, nossa alma se estabelece em uma obediência resoluta e calma à lei de Cristo. Nossos corações e vidas estão perturbados, não por nossas circunstâncias, mas por nós mesmos. Somos inquietos porque nossas vontades não estão em harmonia com a vontade de Deus.

Uma disposição calma e celestial só é possível para aqueles que deixam a paz de Deus reinar em seus corações. Essa quietude do espírito é tão sensível que nos avisa imediatamente quando estamos na presença de algo maligno. Nossa paz vai embora quando permitimos o que ela proíbe. Felizes os que entronizaram a paz de Deus como árbitro de seus corações! Compartilhamos com Cristo a paz que Ele nos dá do fundo do seu coração, e essa paz é como uma grande calmaria do mar.

O alcyon (pacífico) descansa por dentro, acalmando as tempestades de pavor e pecado.

 

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