A METAFÍSICA DA SÃ DOUTRINA E A
REALIDADE TAL COMO ELA É
C. J. Jacinto
Apresento uma questão filosófica
relevante para os nossos tempos, à qual desejo oferecer uma resposta
fundamentada nas Escrituras. Trata-se da questão da realidade: o que significa
realidade? As definições sobre este conceito são diversas e dependem da
cosmovisão adotada. Contudo, pretendo apresentar uma perspectiva bíblica, que,
em minha convicção, oferece a resposta mais completa e satisfatória sobre o
tema.
Uma definição comumente aceita de
realidade é o estado das coisas tal como elas verdadeiramente existem. Ao longo
da história, místicos, filósofos e cientistas dedicaram-se a essa questão,
formulando diversas teorias. Alguns defendem que a realidade é um construção da
consciência, sugerindo que o mundo experienciado é, na verdade, uma espécie de ilusão.
Essa visão é compartilhada por certas correntes místicas e por alguns físicos
quânticos.
A ideia de que a realidade é criada pela
observação, ou seja, que sua existência depende de um observador, também é
comum. Contudo, a meu ver, essa perspectiva, que compara a existência a um
sonho dentro de um sonho, ou que reduz a realidade visível a manifestações de
um mundo atômico e quântico, pode ser parcial e incompleta. Acredito que essa
abordagem não representa fielmente a compreensão da realidade conforme revelada
nas Escrituras.
Na cosmovisão hindu e em filosofias orientais,
como a dos gnósticos e o neoplatonismo, a realidade material é frequentemente
concebida como ilusória. Contrariamente, a Bíblia, especialmente sob a
perspectiva hebraica, apresenta uma visão distinta e não abstratas. Para a
Bíblia, as coisas criadas são concretas e possuem existência própria, não sendo
emanações da divindade mas distintas do criador. Todo o misticismo que atenta
para idéias emanacionistas ou de centelhas divinas no interior do homem são errôneas
e perigosas. A criação, portanto, é distinta do Criador, rejeitando-se o
panenteísmo e o panteísmo. O universo, como produto de Deus, é real e distinto
dele. Esse é o ensino claro dos primeiros
capítulos de Genesis e tem suas implicações escatológicas em Apocalipse.
No que concerne à teodicéia, a existência do mal na criação é compreendida como
consequência de um desvio, uma alteração dos propósitos originais de Deus
provocados por distúrbios de rebeliões da criatura contra o Criador. O mal,
embora presente na criação, não é atribuído a Deus, pois este criou tudo bom.
Essa permissão divina para o desvio, embora contingente, resultou em
manifestações e influências negativas. Tal como vimos na nossa observação
sensata da criação e suas manifestações dentro de nossas experiências de consciência.
Embora não seja o foco principal
desta discussão, o mal, e seus efeitos, são evidentes e reconhecidos, inclusive
por não cristãos. A compreensão cristã do mal, fundamentada na ideia de que a
criação foi originalmente boa e o mal é um desvio, oferece uma resposta
consistente e estruturada. Reconhecer o mal como uma criação desviada de Deus,
e não responsabilidade Dele, alinha-se com o princípio da bondade intrínseca da
criação, como descrito em Gênesis. O desvio para o mal é, portanto, um evento
secundário, ocorrido sob a permissão divina.
Retomamos a questão da realidade. A
realidade abrange tudo o que existe, em todas as suas variáveis, pois a Bíblia
descreve tanto o mundo espiritual quanto o mundo físico. Existe, em última
análise, um universo que engloba desde a vasta estrutura cósmica, de dimensões
imensuráveis, até os elementos minúsculos e subatômicos. Contudo, tudo integra
uma única realidade, no contexto da criação. Essa é a visão hebraica
consistente com a revelação progressiva das Escrituras.
Portanto, é fundamental que compreendamos essa realidade. Não se trata de
analisar este princípio ou termo sob uma perspectiva filosófica, mas sim de
considerar a apresentação bíblica da realidade como algo que transcende o mundo
concreto. Acredito que, em essência, a realidade não se resume à criação, mas
está totalmente em Deus. Diante disso, podemos compreender, e aqui reside uma
forte evidência da divindade de Cristo. Ao analisarmos passagens como João,
capítulo 14, versículo 6, onde Jesus declara: "Eu sou o caminho, a verdade
e a vida", notamos que a palavra "verdade", no grego original,
significa "realidade". Assim, Jesus declara: "Eu sou a
realidade".
Conforme a perspectiva bíblica, a realidade última não reside na criação em si,
mas naquele que a sustenta. A existência do universo é dependente daquele que o
mantém. Este é o conceito de Pantocrator, derivado do grego e aplicado a Jesus
nas epístolas paulinas. A Epístola aos Hebreus, em seu primeiro capítulo,
versículos 1 a 3, corrobora essa visão, descrevendo Cristo como o sustentador
do universo. Assim, a realidade manifesta se apóia em uma realidade
transcendente, uma realidade suprema. A criação, portanto, é o resultado da
ação divina e a realidade depende sempre dEle.
Em contrapartida, rejeito a visão filosófica que postula a emanação do universo
a partir do Criador, uma ideia associada, em alguma medida, a Baruch Spinoza e,
possivelmente, a Albert Einstein entre outros a defenderem tal conceito de
realidade. Essa perspectiva carece de fundamento e de respaldo nas Escrituras.
Acredito que a realidade deriva sua existência e sustentação de uma realidade
suprema, que identifico como Deus. O Deus Triúno das Escrituras Sagradas.
Diante disso, percebemos a natureza
transitória e efêmera desta realidade. Analisando as Escrituras,
especificamente nas epístolas de Pedro e no livro do Apocalipse, constatamos que
a existência atual – o mundo, os planetas, as galáxias, a natureza e toda a
criação – passará por um processo de purificação pelo fogo, uma transformação
que antecederá a criação de novas realidades. Contudo, compreendemos que tanto
a criação original, em sua forma atual, quanto a nova criação, os novos céus e
a nova terra descritos nos últimos capítulos do Apocalipse, são realidades
tangíveis e concretas. São visíveis, perceptíveis, possuidoras de natureza e
essência próprias. Reiterando, mesmo na nova criação, nos novos céus e na nova
terra, toda a criação permanecerá distinta do Criador.
O mundo material, a realidade física que observamos atualmente, foi concebido
para interagir com os corpos físicos que conhecemos, a exemplo da constituição
dos animais e dos humanos. A diversidade animal, em particular, revela uma
ampla gama de adaptações: desde os seres microscópicos até os gigantes,
passando pelos que habitam o ar, a água e a terra. Cada um, em seu ambiente,
experimenta uma realidade própria, moldada por sua natureza, resultando em
percepções distintas em relação ao homem. Este último, dotado de uma capacidade
de compreensão mais abrangente, é capaz de interagir com outros reinos e
entender seus processos, enquanto outros seres, como anfíbios, répteis, peixes
e aves, não compartilham dessa mesma capacidade. Em suma, o universo dinâmico,
em sua totalidade, apresenta-se aberto ao homem. Ele possui um sistema de
consciência, um aparato cerebral e um intelecto que lhe permitem desvendar
mistérios, compreender o universo e apreender o funcionamento e a estrutura da
maioria das coisas em seu ambiente.
Em resumo, a minha convicção é que,
ao se referir à realidade, Jesus se referia a si mesmo. Deus é a essência da
realidade, o Deus Trino: Pai, Filho e Espírito Santo. Essa Trindade é a própria
realidade. Sendo Deus a realidade suprema, o universo é uma se sustenta a
partir dessa realidade. Consequentemente, considerando que Deus é uma pessoa e
é real, Ele cria em conformidade com sua própria natureza, criando realidades.
Assim, o mundo que nos cerca não é uma ilusão nem um engodo. Não se trata de
matéria inerentemente má, como postularam os gnósticos, como Valentino e
Marcião, ao atribuir à matéria um caráter maligno e acusar o Deus do Antigo
Testamento, denominando-o demiurgo, de criar uma realidade material essencialmente
perversa. Por causa dessa visão, os gnósticos negam a própria essência da
realidade, que é Cristo. O Verbo se fez carne. Deus se tornou real através de
Cristo, e essa realidade foi tangível, palpável. Os homens contemplaram essa
realidade. Ele adentrou o espaço, o tempo, a história, e a transformou,
dividindo-a em antes e depois. Este é o nosso Cristo. Ele é a verdadeira
realidade. Portanto, quando me perguntam o que é a realidade, elevo meu
pensamento ao Senhor, ao Deus Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, e compreendo
que Ele é a Suprema Realidade. Todas as outras realidades dependem
completamente d'Ele, desse Deus único e Trino, como descrito nas Escrituras.
Dessa forma, entendo que a realidade revela sua profundidade, seu significado
mais profundo, por meio dessa visão, uma visão espiritual e bíblica. Acredito
que essa resposta seja uma compreensão mais profunda, mais precisa e superior a
qualquer outra explicação sobre o conceito de realidade que eu tenha lido ou
encontrado nas correntes filosóficas e religiosas do mundo.
Ademais, considero notável e
enriquecedor, no âmbito do Novo Testamento, obra de profunda reflexão, sem
qualquer intenção de diminuir o valor do Antigo Testamento, que o Novo
Testamento representa uma evolução, uma progressão. É como uma luz que
gradualmente se intensifica, alcançando seu ápice na figura de Jesus Cristo, a
"estrela da manhã", a verdade que guia a humanidade.
Nesse contexto de iluminação
espiritual, conforme apresentado de forma concisa no Novo Testamento, Jesus
declara: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."
Compreendemos que o conhecimento da verdade bíblica, o entendimento da realidade
espiritual revelada nas Escrituras, conduz à libertação. Essa jornada
espiritual nos conduz a uma esperança grandiosa e gloriosa: a promessa da vida
eterna, a expectativa de novos céus e nova terra.
Tudo em Deus é real, nada é ilusão.
Fora de Deus, nada é real, tudo é ilusão.
Deus, ser autoconsciente e eterno,
criou o homem à Sua imagem e semelhança, dotando-o de consciência. Esta
faculdade permite ao homem a percepção da existência do Criador, constituindo a
função primordial e essencial da consciência e do intelecto humanos. A consciência
busca a percepção da existência de Deus, enquanto o intelecto procura
compreender, em parte, a natureza divina, revelada através de Seus atributos.
Conforme Paulo expõe no capítulo 1 de Romanos, a criação oferece evidências
irrefutáveis da existência de um Criador. A consciência, em sua função
primordial, busca a percepção e o entendimento dessas evidências, manifestas na
complexidade e nas maravilhas da criação, mesmo sob a influência do pecado e da
queda. Apesar dessa condição, a criação ainda possibilita o conhecimento e a
percepção dos efeitos do pecado e da rebelião da criatura contra o Criador.
Assim, a consciência, quando
operante em consonância com os propósitos divinos, permite ao homem compreender
a existência de Deus, que criou todas as coisas.
Ao longo da história da humanidade,
desde o surgimento das primeiras civilizações, é possível observar que, mesmo
em estágios iniciais de compreensão, a humanidade manifestou inclinação ao
panteísmo e ao ocultismo. Contudo, ao analisar a evolução da espiritualidade e
as concepções divinas ao longo do tempo, a ausência de crença em uma divindade,
o ateísmo, se demonstra uma exceção, em vez de uma norma.
Assim, compreendemos, em consonância com a
perspectiva bíblica, que a consciência humana opera sob a função de entender a
realidade tal como ela é. A função da consciência é manifestar a realidade do
Criador e integrá-la à lógica da existência universal. Deus, como causa
primária e realidade fundamental, é o ponto de origem e sustentação de todas as
demais realidades. Consequentemente, a consciência, em seu estado de pureza e
elevação, reconhece a existência de Deus, o Criador, como um fato inquestionável.
Compreendemos, portanto, que a prática de deificar seres, observada em
civilizações antigas como a Suméria, a Grécia, Roma e o Egito, representa uma
distorção da consciência. Da mesma forma, a divinização da consciência e da
razão, conferindo a esta última uma autoridade absoluta na definição do que é
válido ou não, e empregando-a como ferramenta para negar a existência de Deus,
constitui outra anomalia. Essa postura, que desvia a consciência de seu curso
natural, configurando uma enfermidade espiritual, é igualmente grave. Tanto o
panteísmo quanto as diversas formas de negação da existência de um Deus único
tendem a essa anomalia.
Assim, observa-se que muitos homens
eruditos, mesmo que tenham buscado a compreensão por métodos não tradicionais,
por meio da investigação racional ou de práticas consideradas inapropriadas,
esforçaram-se, de alguma forma, por estabelecer contato e união com a divindade.
Tal característica se manifesta na trajetória de Plotino, evidenciada nos
escritos de Agostinho, e também em muitos místicos do sufismo islâmico. O
fenômeno é perceptível no Platonismo e no Neoplatonismo, como exemplificado na
filosofia de Plotino. Adicionalmente, essa busca se repete entre os místicos
medievais, tanto orientais quanto ocidentais, vinculados às tradições ortodoxas
ou católicas. Estes indivíduos, impulsionados pelo anseio de se aproximar e se
unir a Deus, adotaram práticas espirituais que, através do êxtase, visavam à
experiência da união mística com a divindade. Esse anseio profundo reside no
coração humano; contudo, a satisfação plena dessa sede espiritual é alcançada
unicamente em Cristo, que declara: "Eu sou o caminho, e ninguém vem ao Pai
senão por mim."(João 14:6) Portanto, a verdadeira união com Deus se
realiza exclusivamente por meio de Cristo, que é o único caminho e a única
verdade. Em suma, no Novo Testamento a realidade é Cristo.
Assim, o Novo Testamento apresenta uma
resposta concisa e elucidativa à busca humana por conexão e relacionamento com
Deus, em relação à ansiedade, anseio e necessidade espiritual. Essa resposta se
manifesta por meio do Senhor Jesus Cristo e somente por intermédio d'Ele.