Obra da Cruz: Visões Antigas


 



Extraido do Livro: "Mal, o Lado Sombrio da Realidade" de John Stanford


 

“Havia duas teorias da reconciliação nessa linha: a teoria do resgate e a teoria da vitória. Conforme a primeira, a morte de Cristo resgatou o homem, trazendo-o de volta do poder do mal. De acordo com a segunda, Cristo, na cruz, venceu os poderes do mal e assim libertou o homem do poder do mal.

A teoria do resgate dizia que o diabo havia se apoderado da alma do homem, tentando-o ao pecado. Isso foi feito originariamente no jardim do Éden através do diabo, que teria aparecido na forma de serpente. Devido  ao pecado do homem, sua alma estava agora prisioneira do diabo. Mas Deus decidiu salvar o homem oferecendo seu filho Cristo ao diabo, como meio de resgatar a humanidade. Se o diabo libertasse o homem, Deus lhe daria seu filho em troca. No entanto, tratava-se de um subterfúgio, pois Cristo, sendo perfeito e isento de culpa, não poderia ser pego pelo diabo. Evidentemente Deus sentiu que era justo recorrer a tal  estratagema ao  lidar com o diabo, visto que este também havia apelado a um estratagema para se apoderar do homem através da tentação original no jardim  do Éden.

 

A teoria do resgate foi popular dentro da Igreja primitiva, conservando uma posição proeminente por muitos séculos. Orígenes, Gregório de Nissa e Irineu eram seus adeptos no oriente, enquanto no ocidente predominava a teoria inicial da reconciliação, representada por Agostinho e Gregório Magno. Ainda no final do século XII encontramo-la representada no pensamento de Bernardo de Clarával e Pedro Lombardo. Gregório Magno, por exemplo, disse que a humanidade de Cristo foi o engodo que fez com que o diabo mordesse a isca da cruz e com isso fosse ludibriado, e Pedro Lombardo, quem comparou a cruz com uma ratoeira alimentada com o sangue de Cristo. A teoria do resgate foi, e ainda é, uma teoria muito popular na Igreja grega, pois, entre os cristãos orientais, Satã e sua legião de demônios eram poderes muito reais e a ajuda sobrenatural era considerada essencial para que a humanidade não fosse destruída por eles. Sem dúvida, uma boa parte da força dessa teoria veio das experiências dos cristãos que sentiam que Cristo de fato derrotou o mal, tomando assim suas vidas possíveis.

Nos evangelhos, duas passagens são citadas como base da teoria do resgate: Mt 20,27-28, onde se lê, “…e o que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o vosso servo. Desse modo, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por  muitos”. A palavra grega traduzida por resgate é lytron, que literalmente significa um preço pago para conseguir a redenção. Uma pessoa poderia, por exemplo, pagar um lytron a fim de redimir um escravo da servidão. Passagens das epístolas citadas em apoio a essa ideia incluem: 1Cor 6,20; 7,23; 1Pd  l,18s; Tt 2,14; Ef 1,14.

A teoria da vitória é como a teoria do resgate no que diz respeito ao diabo que é vencido por Cristo na cruz, mas há menor ênfase na culpa do homem e na necessidade de um resgate, e maior ênfase sobre a luta cósmica entre Cristo e Satã, uma batalha que termina com a vitória de Cristo através da crucificação. A cruz é, portanto, o campo de batalha  entre Cristo e Satã, o lugar de uma luta cósmica entre as forças de Deus e as forças do mal. Essa era a ideia favorita de Orígenes, que a sustentava juntamente com a teoria do resgate, e que falou de Cristo triunfando sobre os principados e potestades, fazendo deles uma exibição e superando-os com sua cruz.

A teoria da reconciliação foi também a base do exorcismo cristão. Foi usada, por exemplo, por Lactâncio que, em The Divine Institutes, descreve o poder da cruz para expulsar demônios, fazendo assim com que as almas e os corpos dos homens se libertem do poder do mal. De fato, até os dias de hoje, quando fazemos uma afirmação positiva sobre um fato de boa sorte, e supersticiosa ou piamente batemos na madeira, estamos admitindo a vitória de Cristo na cruz sobre Satã. A madeira sobre a qual batemos representa a madeira da cruz que tem o poder de afastar Satã, que poderia, de outro modo, ouvir o que dissemos e tomar a nossa porção de boa sorte. Referências escriturísticas dessa teoria podem ser encontradas  na Igreja primitiva em Cl 2,15; Hb 2,14; 1Jo 3,8.

Essas antigas teorias da reconciliação, sustentadas em termos da realidade do mal, prevaleceram fortemente, até que santo Anselmo (1033- 1109) escreveu o livro Cur Deus Homo, onde as teorias do resgate e da vitória foram superadas pela teoria que passou a ser conhecida como  teoria da satisƒação ou teoria vicária. De acordo com essa visão, não era o diabo quem deveria receber uma satisfação, mas Deus. O pecado de Adão não havia entregue o homem nas mãos do diabo, mas tinha sido uma


ofensa a Deus; portanto, era a justiça de Deus que precisava de satisfação. Mas a humanidade pecadora nunca poderia se redimir de seus pecados diante de Deus Todo-Poderoso, e então o próprio Deus ofereceu um sacrifício pelo pecado do homem na pessoa de Cristo na cruz.  Assim Cristo pagou a dívida para o homem, e isso satisfez a exigência de justiça divina.


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