Satanás e a Invenção de uma divindade Utilitarista


Satanás e a Invenção de uma divindade utilitarista

 C. J. Jacinto



O livro de Jó é uma obra notável, que aborda a reflexão perene sobre a condição humana, a natureza do homem decaído e a atuação de Satanás. Nele, podemos encontrar valiosas perspectivas e discernimentos sobre o mundo e sobre a situação atual da cristandade.

No primeiro capítulo, versículo primeiro, é apresentada a figura de Jó. Habitava na terra de Uz um homem chamado Jó, íntegro, reto, temente a Deus e que se desviava do mal. Essa descrição inicial ressalta a integridade de Jó. Ele era um homem de fé, que acreditava na justiça e na pessoa de Deus. Sua vida e caráter refletiam essa crença, manifestando-se em uma conduta íntegra e piedosa, que permeava sua experiência cotidiana.

No capítulo um, versículo 6, está escrito: "Em um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles."  A seguir, no versículo 7: "Então o Senhor disse a Satanás: De onde vens? E Satanás respondeu ao Senhor e disse: De rodear a terra e passear por ela. E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Então respondeu Satanás ao Senhor e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde? Porventura tu não cercaste de proteção a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? Abençoaste a obra de suas mãos, e o seu gado se tem multiplicado na terra; mas estende a tua mão e toca em tudo quanto ele tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face. E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está nas tuas mãos, somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor."

 No capítulo 1, versículo 6, está registrado o seguinte: Em um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, Satanás também veio entre eles. A partir do versículo 7, a narrativa prossegue: Então o Senhor disse a Satanás: De onde vens? Satanás respondeu ao Senhor: De rodear a terra e passear por ela. O Senhor então disse a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Pois ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Satanás respondeu ao Senhor: Porventura Jó teme a Deus em vão? Acaso não o cercaste com uma cerca protetora, a ele, sua casa e tudo o que possui? Abençoaste a obra de suas mãos, e seus rebanhos se multiplicaram na terra. Mas estende a tua mão e toca em tudo o que ele tem, e verás se ele não te blasfema na tua face. O Senhor disse a Satanás: Eis que tudo o que ele tem está em teu poder, mas não toques nele. E Satanás saiu da presença do Senhor.

 É evidente que, em situações de conflito, Satanás consistentemente se opõe à verdade. Ao analisarmos o terceiro capítulo de Gênesis, observamos a elaboração de uma teologia distorcida e enganosa, com o objetivo de iludir Adão e Eva. De maneira semelhante, esse comportamento do diabo se manifesta na tentação de Jesus, conforme registrado em Lucas 4 e Mateus 4. Nesses relatos, Satanás emprega versículos bíblicos, manipulando e deturpando o texto sagrado para justificar uma interpretação particular, visando induzir Jesus ao pecado. Essa estratégia evidencia a constante tentativa de Satanás em desenvolver uma falsa teologia, buscando, em última instância, induzir a humanidade ao erro. A história de Jó ilustra essa mesma tática.

 Na introdução ao livro de Jó, o Senhor, Deus Onipotente, apresenta Jó como um homem justo. Ao ouvir esse testemunho divino, Satanás objeta, argumentando que a devoção de Jó é motivada pelas bênçãos recebidas. Ele afirma que Jó serve, adora e segue a Deus apenas por causa da prosperidade concedida. Satanás sugere que, se Deus retirar essas dádivas e permitir o sofrimento, Jó O abandonará, rejeitará e blasfemará contra Ele, pois sua fé seria condicionada à utilidade das bênçãos divinas.

 A premissa subjacente a essa perspectiva, que se qualifica como "satânica", é a tentativa de persuadir Deus de que a devoção de Jó não era sincera, mas sim que a relação era invertida, com Deus a serviço de Jó. Essa noção representa a gênese de uma teologia distorcida, frequentemente propagada em nossos púlpitos, onde líderes e pregadores contemporâneos podem apresentar um Deus utilitarista, que existe para servir, em vez de um Deus a ser servido. Embora superficialmente possa parecer uma ideia inócua, suas raízes são profundamente perniciosas.

 No século XXI, observa-se um fenômeno em que multidões são atraídas a práticas religiosas, frequentemente sob o pretexto de promessas de prosperidade material e satisfação de desejos terrenos. Essa abordagem, muitas vezes associada a certas vertentes religiosas, oferece benefícios pessoais e atrativos que apelam aos instintos humanos, como conforto, sucesso, felicidade e bens materiais.

 Essa modalidade religiosa, frequentemente apresentada sob a roupagem de ensinamentos religiosos, concentra-se na oferta de "mercadorias" em troca de fé, desviando o foco da busca por redenção e transformação espiritual. Em vez de uma busca genuína por arrependimento e reconciliação com Deus, impulsionada pela consciência da condição humana, a motivação principal parece residir na expectativa de recompensas terrenas.

 

 Essa tendência, que atrai grande número de pessoas, contrasta com os princípios fundamentais da igreja cristã primitiva. O foco na prosperidade e nos benefícios pessoais, em detrimento da busca por uma vida de acordo com os ensinamentos bíblicos, pode distorcer a verdadeira natureza da fé e da espiritualidade.

 Com sua característica de acusador, Satanás apresenta a Deus uma justificativa, semelhante à que já foi exposta. Seu argumento é que Jó servia a Deus unicamente por causa dos benefícios que recebia. Havia inúmeras vantagens em servir a Deus, como prosperidade material, bem-estar emocional e uma vida de felicidade. Satanás propõe que, caso esses benefícios fossem retirados, Jó abandonaria sua fé. Essa é a essência da acusação de Satanás, dirigida a Deus e também contra Jó.

 Podemos aprofundar a análise da questão que envolve a relação de Satanás com Deus. É possível inferir que, na perspectiva de Satanás, o que realmente importava não era Deus, o provedor, mas aquilo que se recebia de Deus. Em outras palavras, os benefícios eram considerados mais importantes do que o próprio benfeitor. Assim, Satanás acusou Jó de valorizar mais os benefícios recebidos, as bênçãos concedidas, do que a Deus, a fonte dessas bênçãos e benefícios.

 Desejo, de fato, investigar as razões pelas quais tantas pessoas professam, atualmente, seguir a um "Senhor". A qual divindade se referem? Ao Deus bíblico, considerado o Senhor Supremo? Ou estariam, porventura, sendo iludidas por uma falsa representação divina, frequentemente veiculada em algumas igrejas contemporâneas e por líderes com práticas pragmáticas? Estes últimos, motivados por ambições pessoais, almejam construir um movimento religioso que lhes permita projetar sua imagem e receber adoração, além de usufruir de recursos financeiros consideráveis, obtidos por meio da comercialização da fé em determinados contextos religiosos.

 O sistema religioso em questão, embora sofisticado em sua apresentação, tornou-se amplamente popular na atualidade. A facilidade com que se espalhou é notável, o que levou, décadas atrás, críticos da religião a observar a fragmentação acelerada do movimento neopentecostal e pentecostal. Esses críticos, ao analisar as pequenas igrejas fundadas por indivíduos sem formação teológica ou critérios rigorosos, rotularam-nas como "pequenas igrejas, grandes negócios".

 Essa tendência já havia sido prefigurada por Pedro, em sua segunda carta, no capítulo 2, a partir do versículo 1: "E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de negarem o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas, e, por causa deles, o caminho da verdade será difamado; também, movidos pela ganância, farão comércio com vocês, usando palavras fingidas. A condenação deles desde há muito tempo não tarda, e a sua destruição não dormita".

 A passagem ilustra uma religião comercializada, uma doutrina adaptada para atrair fiéis. Milhares de pessoas buscam um deus que as sirva, em vez de servir a Deus, refletindo a tendência humana de priorizar os interesses pessoais. Essa era a questão central: o diabo questionou Deus, sugerindo que a devoção de Jó era motivada pelos benefícios recebidos.

 Conheço pessoalmente muitos indivíduos que se decepcionaram com esse tipo de prática religiosa. Buscaram igrejas motivados pela promessa de cura mediante votos, milagres e bênçãos materiais. No entanto, a desilusão veio à tona quando as promessas não se concretizaram. A frustração resultante levou essas pessoas a se afastarem da fé, acusando o Deus da Bíblia de ser um mentiroso. Percebe-se, assim, que o próprio diabo utiliza falsos profetas para confundir as pessoas, pregando um deus ilusório, o qual, após a decepção, leva os indivíduos a acreditarem que foram enganados pelo Deus supremo.

 Ao enganar essas pessoas, levando-as a uma desilusão religiosa sem que possam discernir o engano de uma divindade falsa, fabricada em suas crenças com o único propósito de exploração, esses indivíduos acabam por imputar a Deus, conforme revelado nas Escrituras, a prática da decepção, do erro e da mentira. Em outras palavras, como Pedro adverte em 2 Pedro, capítulo 2, versículos 1 a 3, falsos mestres, movidos pela avareza, explorarão seus seguidores, e o caminho da verdade será difamado. Ao atribuir a mentira ao Deus verdadeiro, essas pessoas incorrem em blasfêmia. Conforme João, capítulo 8, versículo 44, declara que o diabo é o pai da mentira, e agora essas pessoas são levadas a associar a mentira ao Deus da verdade.

 Ao idealizar uma religião voltada para o lucro e uma divindade que interage com os homens em termos comerciais, surge um novo tipo de religião, na qual cada pregação e mensagem se adapta aos anseios do público. De fato, a figura de um deus justo e rigoroso, que pune o pecado e exige honra, adoração e serviço incondicional, contrasta com a teologia utilitarista que prevalece atualmente, notadamente em muitas denominações evangélicas. Lamentavelmente, essa tendência se estabeleceu e tende a se agravar, como parte de uma apostasia predita, conforme registrado pelos apóstolos.

 A filosofia religiosa utilitarista que prevalece atualmente, adotada como uma filosofia prática para impulsionar o pragmatismo, tem se esforçado para deturpar a verdadeira mensagem do Evangelho e a imagem de Deus apresentada nas Escrituras. É imperativo que os fiéis examinem se seus pastores, líderes e suas igrejas estão, de fato, pregando o Deus revelado nas Sagradas Escrituras. Aquele Deus que é simultaneamente misericordioso e justo, soberano e transcendente à vontade humana. Ao ensinar sobre a oração do Pai Nosso, Jesus enfatizou: "Seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu." Isso implica que a vontade divina deve prevalecer sobre a nossa.

 Contudo, a realidade contemporânea demonstra a proeminência de uma representação de Deus disposta a "negociar" através de uma religião comercial, na qual votos e promessas condicionam a doação financeira ou a adesão a líderes religiosos em troca de bênçãos, saúde, curas, proteção e prosperidade. Essa doutrina, embora pareça nova, é, na verdade, uma reedição de uma estratégia antiga. O livro de Jó, considerado por muitos estudiosos como o primeiro livro da Bíblia, ilustra essa realidade. A filosofia do diabo, ao acusar Jó de servir a Deus por interesse, distorceu o caráter divino e a retidão de Jó. Essa teologia satânica nunca desapareceu; apenas foi adaptada, revestida de roupagem cristã e disseminada pelo mundo. Essa "religião utilitarista" é uma abominação, e dela devemos nos afastar. À medida que o tempo passa, lamentavelmente, um número crescente de igrejas se desvia da pregação do Deus verdadeiro, cedendo a essa crença e teologia maligna.

 No capítulo 4, versículo 8 da Epístola aos Gálatas, Paulo recorda que, antes de conhecerem a Deus, os cristãos da Galácia serviam a deuses que, em sua essência, não eram divinos, ou seja, não representavam o Deus verdadeiro. Da mesma forma, a adoração a um deus utilitarista, que não possui soberania, onipotência, onipresença e onisciência, e que não ocupa o lugar da Suprema Majestade, mas sim se submete às ordens do homem, de seus sacerdotes e líderes religiosos – que se arrogam a autoridade de "ordenar", "profetizar" e "determinar" como se fossem superiores à própria divindade –, constitui uma grave blasfêmia. O homem jamais pode controlar o Deus verdadeiro, pois Ele transcende a vontade e as ordens humanas.

 Um deus que pode ser manipulado, comprado ou cuja bênção pode ser negociada não é o Deus verdadeiro. Trata-se de um erro teológico, uma divindade falsa que, infelizmente, muitos apresentam e aceitam. Uma grande quantidade de pessoas se sente atraída por essa figura, pois ela não impõe desafios, mas apenas oferece benefícios que podem ser adquiridos ou creditados aos seus seguidores.

 Esse deus utilitarista não é o Deus revelado nas Escrituras, nem é o Deus pregado pelos verdadeiros cristãos. Que estas palavras sirvam de alerta a todos nós.

 

Textos bíblicos que revelam a majestade, soberania e autoridade do Verdadeiro Deus das Escrituras:

 

Efesios 1:11, Romanos 8:28, Mateus 10:29 a 31 Colossenses 1:16 a 17, Isaias 45: 7 a 9, provérbios 16:33, Jó 42:2, Lamentações 3:37 a 39, Atos 4:27 a 28, Efésios 1:4 etc.

 

Sugestão de leitura:

 

Deus é Soberano – A. W. Pink

 

 

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