A ASSEMBLEIA DOS
BRINQUEDOS
Era uma manhã de
domingo, a cidade estava vazia, os parques pareciam os vales apocalípticos
depois do inverno, não havia crianças brincando na rua, os adultos estavam
dormindo até tarde, os pardais cantavam solitário e o sol disputava com as
sombras, um lugar de repouso entre palhas e flores. Nessa manhã silenciosa, algo estranho estava
acontecendo, os brinquedos pareia que ganharam vida, estavam fugindo das
prateleiras das lojas, outros fugiam dos quartos das crianças da cidade,
estavam dirigindo-se ao parque central da cidade, bolas de futebol, bonecas,
bichos de pelúcia, dinossauros de borracha, skates, carrinhos de controle
remoto enfim, um exercito silencioso de
brinquedos estavam se reunindo com uma medida de urgência, no parque central
daquela cidade, algo terrível estava acontecendo ao mundo dos brinquedos. Havia
no rosto de cada um deles, uma tristeza profunda, o semblante bem denunciava
esse desgosto e tamanha tristeza de cada brinquedo, até mesmo os mias velhos e
quebrados estavam presentes, a graça de ver um fusca sem rodas arrastando-se em direção ao parque
era épico. Um boneco tipo super herói tomou a frente da assembléia quando todos
estavam reunidos no parque, naquele domingo ensolarado, onde não havia sequer uma
criança pelas redondezas, o personagem citado começou seu discurso inflamado
por uma grande tristeza existencial:
- Estamos fadados ao
esquecimento, fomos desprezados e deixados de lado, nosso sentido de existir
acabou-se, somos escombros no museu da memória de infantes antigos, nada mais
resta a nós, a não ser, ser lembrado como lixo inútil e ou um objeto sem
sentido aos olhos das crianças. Tenho visto muito de nossos companheiros sofrer
os mais terríveis desprezos e muitos deles serem levados para o campo de
concentração onde maquinas de reciclagem nos trituram, é uma ameaça de extinção
estamos fadados ao desaparecimento total.
Segui-se choros e lamentos, uma bola tomou a plataforma
e em soluços, começou a descrever sua vida debaixo da cama de um infante, num
lugar escuro e frio, outrora vivia passeando debaixo dos braços de moleques
alegres, que a levavam para os jogos na rua, chegou a ir até mesmo a grande estádio de futebol e sentiu-se de tal
modo importante aos gritos da multidão, que não conteve-se e começou a chorar,
lembrando que agora estava vivendo meses a fio debaixo de uma cama, na
escuridão e no frio.
O misterioso super
herói, meio desgastado pelo manuseio de mãos infantis, novamente tomou a
plataforma, estava sério e olhava para toda aquela multidão de brinquedos
tristes e inquietos.
- Estamos em apuros,
nossa vida perdeu o sentido, não sei como será nosso destino, as crianças
perderam o contato conosco, outrora éramos tão amados, éramos parte da vida das
crianças, dávamos vida a imaginação deles. Estive conversando um ursinho de
pelúcia, ele estava em grande desespero, porque durante muitos anos dormia ao
lado de uma menina, era mascote, sentia o calor do amor infantil, agora foi
aprisionado em um caixote de madeira, está temendo ser induzido a entrar em um
daqueles sacos de plásticos negros, e depois ser colocado na lixeira e ser
levado para o campo de concentração, teme virar estopa. Há um grupo de bolas de
gudes, todo um exercito deles, dentro de uma caixa de papelão, ouviram o pai de
uma criança dizer que seriam jogados nas masmorras de um saco qualquer, para
serem entregues ao dono do ferro velho, o mesmo destino parece ter muitos de
nós, pois o campo de concentração do reciclamento dá boas vindas para tudo o
que torna-se inútil aos homens. Nossos dias estão contados.
Nisso, um par de
bonecas novas começaram a choramingar, até mesmo os carrinhos de controle
remoto pareciam assustados com toda a crise no mundo de crianças sensíveis, o
promissor super herói continuou seu discurso enfático:
- Outrora povoamos o
mundo da imaginação de crianças sorridentes, éramos os heróis de um mundo
maravilhoso, tínhamos nosso rosto estampados em figurinhas de chicletes, éramos
perseguidos de todas as formas, a cada hora que éramos maltratados brincando
com as crianças essa era nossa felicidade, manhãs e até mesmo dias inteiros, éramos
carregados, entravamos no mundo infantil como se fossemos parte natural da vida
dos mistérios de uma infância cheia de sonhos, mas parece que todo esse mundo
de fantasias está desabando, fomos abandonados a sorte de um destino cruel,
viver em um mundo sem crianças.
O fim da conversa foi
interrompido, havia ali uma boneca dessas com cheirinho de morangos, ela pediu
licença, queria falar algo, e subiu na plataforma, e então explicou:
- Estamos vivendo a
realidade, o mundo do faz de contas se acabou, as fantasias que desabrochavam
na primavera dos homens; a infância, ela morreu. Os homens nascem sendo
indiferentes aos brinquedos, fomos abandonados como peças arcaicas de uma
antiga civilização. As crianças vivem hoje sob a escravidão dos adultos, os homens
acabaram com a infância, os sonhos foram trocados, agora crianças vivem como
zumbis, atentas a outro mundo, digital, onde os brinquedos tornaram-se
violentos e enchem a cabeça deles de enfermidades coloridas, um mundo violento,
que amarra o corpo da infância com os grilhões invisíveis que machucam a mente
e obscurece os corações. Vi a menina lá de casa, há um espectro no seu coração,
a maquina tem o poder de destruir a inocência das crianças, ela vive o dia
inteiro com uma pequena maquina na mão, há um visor colorido, lindo, mas que
reduz o mundo a um cárcere tenebroso, porque faz com que o tempo se escoe pelas
futilidades de uma vida falsa, cheia de
encantos mágicos malogrados por uma serie de fadas malignas que pulam sobre a
consciência delas, pior é que muitos adultos não percebem que os tentáculos que
os prendem aprisionam seus filhos e os arrastam para um vale sombrio de solidão
inútil e anonimato insensível. Que iremos fazer? Nossos amigos, as crianças não
querem mais brincar na rua, não aspiram mais correr atrás de uma bola, elas tornaram-se
sedentárias, a vida reduziu-se ás fantasias de um mundo irreal que aprisiona os
sonhos e arruína a sensibilidade.
Havia um ar de tristeza
naquele lugar, uma sensação que o mundo estava por um fio, as crianças estavam
indiferentes a seus brinquedos, longe da realidade das alegrias que fluíam do
movimento da vida para uma estagnação do cérebro sobre um ponto fixo. Será que há esperança para esse mundo sem infância
pura?
Um dinossauro de
borracha, um brinquedo épico, com voz pungente gritou no meio daquela assembléia
de brinquedos
- Há um lugar no outro
lado das montanhas, num vale onde há uma aldeia, pessoas pobres moram lá, os
brinquedos das crianças são tampinhas de garrafas e sabugos de milhos, as
meninas recolhem trapos de roupas e fazem bonecas de pano, os meninos fazem
bolinhas de barros, cavam na terra e pulam na lama, tomam banho de cachoeira,
há um mundo de fantasias, onde uma goiabeira é comparado ao Everest, nas noites
mais frias, eles fazem fogueiras e se juntam para contar historias, aos
domingos, se reúnem para jogar bola o dia inteiro, com as canoas dos
coqueirais, descem as colinas verdejantes ao sim de gritos e risos, é o paraíso
da inocência ali está nossa esperança, as crianças nos receberão com alegria,
seremos usados até o desgaste total e seremos felizes com as crianças pobres.
Vamos partir para lá agora.
Milhares de brinquedos
gritaram e aprovaram a grande idéia do dinossauro de borracha, e pela primeira
vez na historia da infância do homem, aconteceu um êxodo de brinquedos, milhões
deles atravessaram o deserto da infância destruída pelas ilusões, e depois de
uma longa jornada, numa manhã de dezembro, quando as crianças ouviam falar
sobre um certo “natal” que as crianças ricas celebravam sem ter idéia do que
realmente significava essa comemoração, acordaram, e quando as janelas daquelas
taperas foram abertas, pelas ruas e nas portas das casas onde havia crianças,
muitos brinquedos estavam ali aguardando um dono que brincasse com eles. Tal
surpresa não foi menos enorme que a do leitor lendo esse conto, pois as
crianças tomaram para si todos os brinquedos, era um dezembro feliz, havia no
rosto de cada uma daquelas crianças um regozijo arrebatador, tão alva foi
aquela manhã, que a luz bondosa do sol, iluminava meninas abraçadas as suas
bonecas, meninos sorridentes correndo atrás das bolas, e aqueles brinquedos
foram felizes para sempre....
Clavio J. Jacinto.
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