C. J. Jacinto
O fenômeno que se observa atualmente consiste em uma construção religiosa que, apesar de ostentar a nomenclatura cristã, propaga essencialmente o hedonismo: a busca pela isenção de dores, aflições e tribulações. Promete-se um nível de vida onde se pode desfrutar de todos os privilégios e benefícios que essa vertente de fé oferece. Nesse contexto, adversidades e provações são consideradas opressões causadas pelo inimigo, pelo diabo, e, por conseguinte, devem ser completamente extirpadas da experiência do cristão pós-moderno. Esta é a premissa fundamental que sustenta toda a estrutura doutrinária de um "culto da vitória", um conceito já firmemente estabelecido. É neste alicerce que se forma e direciona os indivíduos adeptos a tal doutrina.
Na Epístola aos Filipenses, capítulo 4, versículo 13, encontramos a poderosa declaração do apóstolo Paulo: "Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece." Para uma compreensão aprofundada, é fundamental analisar essa afirmação no contexto mais amplo da própria carta de Filipenses e, especificamente, no seu ambiente imediato, o capítulo 4. Os versículos 10, 11 e 12, que precedem o versículo 13, elucidam que Paulo discorre sobre sua experiência em lidar tanto com a abundância quanto com a carência, a fartura e a privação. Esse é o panorama contextual que enquadra a declaração do versículo 13. Contudo, observa-se uma realidade premente em nossos dias: com frequência, a interpretação deste versículo tem se dado por meio de sua descontextualização, visando adaptá-lo à narrativa de um cristianismo hedonista e triunfalista.
A Epístola aos Filipenses, em sua
estrutura integral, insere-se em um contexto particular. Paulo a redige de sua
condição carcerária, sendo sua prisão uma consequência direta de sua fidelidade
ao Evangelho e de seu devotado amor a Cristo. Movido por esse amor
revolucionário e radical, expresso numa pregação audaz do Evangelho, Paulo
enfrenta um sistema anticristão, circunstância que o leva à prisão. Contudo,
mesmo frente às severas adversidades inerentes a uma prisão daquela época – um
sistema notavelmente precário em termos de higiene e conforto –, Paulo, em suas
epístolas, exorta os cristãos à alegria e à vivência da felicidade. Essa
peculiar concepção de felicidade, inclusive, revela-se pertinente no contexto
atual, abrangendo o paradoxo de sofrer por Cristo e, simultaneamente,
experimentar regozijo.
Contudo, é precisamente esta a experiência que Paulo vivencia: ele padece. Conforme se observa em Atos, capítulo 16, Paulo e Silas são açoitados e, após a agressão, são conduzidos à cela mais profunda da prisão, onde seus pés são atados a troncos. Tal situação, por si só, já configuraria um quadro de intenso sofrimento e considerável desconforto. Todavia, percebemos que, mesmo nessas condições — nas quais seria compreensível sucumbir ao desespero e ao pranto —, Paulo e Silas, em vez disso, cantam e oram ao Senhor, manifestando profundo regozijo. Isso denota um sentimento espiritual de plenitude e alegria que transcende por completo as dores e as adversidades impostas por aquelas circunstâncias.
Neste estudo, será abordada uma forma
particular de aflição, que é permitida pelo Senhor com o intuito de promover o
crescimento de Seus santos e filhos, e de os integrar nos planos e propósitos
divinos, os quais transcendem a compreensão humana. Contudo, Deus é soberano e,
por Sua inabalável soberania, exerce domínio sobre as circunstâncias, impondo
desafios para que Seus elevados propósitos se concretizem.
Em Colossenses, capítulo 1, versículo 24, Paulo aborda a experiência de suportar as aflições remanescentes de Cristo. Ao lermos 2 Coríntios, capítulo 12, versículos 7 a 9, observamos Paulo a padecer de um espinho na carne. Ele enfrentava uma severa perseguição, uma tribulação de grande magnitude, uma aflição pela qual ele rogava ao Senhor que esse adversário se afastasse do seu caminho, a fim de que não mais padecesse tal espinho. Surpreendentemente, infere-se que Paulo mantinha uma notável serenidade, apesar do sofrimento relacionado a esse aspecto, o espinho que ele menciona na passagem supracitada. Contudo, torna-se imperativo aprofundar a discussão sobre este tema.
Posteriormente, na recusa divina ao seu pleito, onde o Senhor lhe responde que a Sua graça lhe basta, Paulo, no versículo 10 do capítulo 12 da Segunda Epístola aos Coríntios, inserido no contexto do "espinho na carne", declara encontrar prazer na fraqueza. Isto é, manifesta uma peculiar alegria e satisfação decorrente do fato de que a fé em Cristo o conduz a experiências de plenitude. A vida espiritual de Paulo atinge cumes de elevação; ele é agraciado com revelações sublimes. A profundidade de sua experiência espiritual é notável, e sua intimidade com Cristo é singularmente intensa. Contudo, essa mesma condição frequentemente o conduz a sendas de aflições e padecimentos, consequência de sua existência em um mundo decaído e de sua deliberada escolha por trilhar o caminho da santidade. Dessa forma, esse contraste engendra em Paulo a vivência de tais experiências paradoxais: sofrer por Cristo e, simultaneamente, experimentar regozijo, alegria e uma profunda elevação espiritual, tudo em virtude de sua inabalável fidelidade a Cristo e ao Evangelho.
É
crucial compreender o contexto da declaração de Paulo: "Posso todas as
coisas em Cristo que me fortalece." Paulo vivenciou essa verdade por meio
do "espinho na carne," uma aflição que dilacerava sua existência e
seu orgulho, infligindo-lhe feridas profundas. Contudo, precisamente através
dessas chagas abertas, a graça divina manifestava-se, permitindo que a glória
do Evangelho e o favor de Deus penetrassem sua vida por essas fendas e fissuras
provocadas pela provação que o próprio Senhor permitia.
Desse modo, percebe-se que Paulo
alcançava uma plenitude espiritual. Ele compreendia que a dinâmica do Evangelho
opera intrinsecamente dessa forma, pois, na própria essência da mensagem
neotestamentária, reside um Deus que, movido por amor, envia Seu próprio Filho
para enfrentar a morte na cruz do Calvário de maneira humilhante e pungente.
Deus expõe Seu Filho a toda sorte de ignomínia e sofrimento, culminando em três
dias na sepultura, antes que Ele ascenda aos céus para ser entronizado no trono
da glória. Paulo tinha plena consciência dessa realidade; essa é a essência do
Evangelho. É imperativo reconhecer que trilhar os caminhos do Senhor implica
submeter-se à Sua soberana vontade, e Deus, em Sua sabedoria, emprega desígnios
particulares para operar em nossa existência. Assim, observamos em Paulo uma figura que não
teme a morte. Em Filipenses, capítulo 1, versículo 21, ele declara de maneira
sucinta e notavelmente clara: "Para mim, o viver é Cristo e o morrer é
lucro". Percebe-se que Paulo posiciona Cristo no cerne de sua existência.
Ao afirmar "Posso todas as coisas naquele que me fortalece", ele
expressa que seu fortalecimento advém de Cristo. Cristo, portanto, reside no
âmago de sua vida, o que lhe confere a experiência de uma profunda
espiritualidade e de um poder que o capacita a suportar todas as aflições em
prol da causa do Evangelho e por seu amor a Cristo.
Deus estabelece princípios espirituais
pelos quais opera através de aflições e tribulações por Ele permitidas. Esse é
um meio pelo qual Ele revela Sua glória e poder, pois um dos propósitos
primordiais dessa ação é induzir o cristão a uma plena dependência d'Ele e,
simultaneamente, desvincular-lhe das coisas mundanas e dos prazeres terrenos
que se revelam ilusórios.
Podemos, em certa medida, compreender a
perspectiva de Paulo ao analisar suas declarações, como a encontrada em
Filipenses, capítulo 3, versículo 8: "Sim, na verdade, tenho também como
perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu
Senhor; pelo qual sofri a perda de todas as coisas, e as considero como refugo,
para que possa ganhar a Cristo." Observa-se a noção de perda, que,
inevitavelmente, implica em algum grau de aflição. Contudo, essa perda é
compensada pela recompensa da excelência do conhecimento de Cristo. A vida
espiritual de Paulo demonstra uma profunda centralidade em Cristo. A vida do
apóstolo, de maneira notável, é fundamentada e caracterizada por um cristocentrismo
absoluto. Permito-me ponderar que a
afirmação de que Paulo fosse adepto do sadomasoquismo é totalmente descabida. É
preciso compreender que a atuação divina nos submete a um processo de disciplina,
visando a aprofundar nossa percepção das realidades espirituais. A partir do
Novo Testamento, somos informados sobre a transitoriedade do mundo e suas
ambições. Essa perspectiva deve orientar constantemente a visão do homem de fé.
Da mesma forma, é crucial compreender
que Deus não age com sadismo. As aflições que permite são instrumentos divinos
para disciplinar e conduzir o homem a uma espiritualidade genuína e autêntica.
O Senhor necessita operar no ser humano, pois todo aquele que almeja uma
santidade mais profunda precisa consentir que seu orgulho, sua autossuficiência
e seu egoísmo sejam transformados. As aflições permitidas pelo Senhor visam
precisamente a esse propósito. Recorde-se do apóstolo Paulo, em 2 Coríntios,
capítulo 12, para que, diante das revelações que recebeu acerca da experiência
de ascensão ao terceiro céu, não se envaidecesse. Deus permitiu um
"espinho na carne" para tratá-lo, a fim de que permanecesse humilde e
não se tornasse orgulhoso.
Atualmente, a abordagem a este tema
é frequentemente negligenciada. Raramente se ouve, em igrejas modernas ou em
púlpitos com inclinação liberal, um pregador que aborde essa questão.
Observa-se, em vez disso, uma ênfase na propagação religiosa, especialmente no
contexto do neo-evangelicalismo, de igrejas carismáticas e igrejas modernas,
com o objetivo de afastar as pessoas das dificuldades da vida. Os problemas
apresentados são, em geral, de ordem física, e a solução proposta reside em
orações, campanhas e cultos com foco em resultados imediatos, como os
"cultos da vitória".
A motivação para participar desses
cultos reside, muitas vezes, em vivenciar problemas, aflições ou enfermidades.
A pessoa, em meio a essa situação, pode não ter a capacidade de discernir que
Deus, por vezes, permite a dor e o sofrimento para cumprir Seus propósitos. Em
vez disso, é induzida a acreditar que o cristão não deve enfrentar tais
provações. Por conseguinte, proliferam jargões e frases de efeito, como
"não sofra mais".
Em passagens como João 16:33, observamos
a declaração de Jesus: "No mundo tereis aflições". Isso nos revela o
próprio Salvador discorrendo sobre as tribulações que os crentes enfrentarão
nesta existência. Contudo, essas aflições, quando inseridas na vontade soberana
de Deus, convertem-se em oportunidades e processos pelos quais Ele estabelece
Seus propósitos em nossa vida. Esta é uma dinâmica intrínseca ao Evangelho. Tal
princípio é evidente tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Profetas,
apóstolos e a Igreja Primitiva constituem exemplos claros de como Deus opera
por intermédio das aflições.
É reconhecido que algumas tribulações
derivam de ataques malignos ou são, com frequência, consequências de escolhas
equivocadas por parte dos cristãos. Mesmo nesses casos, tais experiências podem
gerar benefícios quando se extrai aprendizado dos próprios equívocos,
promovendo o crescimento espiritual a partir de nossas imperfeições, visando a
não reincidência e servindo de exemplo para outrem.
Entretanto, refiro-me especificamente
àquelas aflições que são permitidas por desígnio divino, através das quais Deus
concretiza Seus grandiosos propósitos. É imperativo que demonstremos
discernimento para glorificar a Deus em meio aos inúmeros problemas, aflições e
tribulações que Ele permite em nossa existência, com o intuito de que Seus
desígnios sejam cumpridos por nosso intermédio. Ele o realiza de maneira
esplêndida e sublime e, por meio disso, Deus é glorificado, enquanto nós, por
nossa vez, crescemos e nos aprofundamos em intimidade e experiência nas esferas
espirituais.
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