O Modernismo, a Autoria Mosaica do Pentateuco e a Crise da Autoridade Bíblica


 


 


 

Introdução

 

 

A autoridade das Escrituras Sagradas tem sido, ao longo dos séculos, o alicerce inabalável da fé cristã. Contudo, desde o surgimento do pensamento moderno, especialmente no contexto da Ilustração e do racionalismo crítico do século XIX, a veracidade e a integridade da Bíblia vêm sendo submetidas a intensos questionamentos. Entre os alvos mais atacados por essa corrente intelectual está a autoria mosaica do Pentateuco — os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Um dos principais expoentes desse movimento crítico foi Julius Wellhausen (correção ortográfica do nome, comumente grafado assim), cuja influência ajudou a consolidar uma visão histórica e fragmentada da formação do texto bíblico, minando, assim, a confiança na inspiração divina das Escrituras.

Este artigo tem como objetivo analisar criticamente o impacto do modernismo teológico, representado por Wellhausen, sobre a doutrina da autoria mosaica do Pentateuco, demonstrar a solidez da posição bíblica e ortodoxa quanto a essa autoria, e refletir sobre as consequências espirituais, morais e sociais do abandono da fé nas Escrituras como Palavra infalível de Deus.


Wellhausen e a Revolução da Crítica Histórico-Literária

Julius Wellhausen (1844–1918), nascido na região da Vestfália, na Alemanha, foi um dos teólogos e filólogos mais influentes do século XIX. Formado em teologia, lecionou por cerca de doze anos antes de abandonar a tradição ortodoxa cristã, mergulhando cada vez mais no método histórico-crítico aplicado ao Antigo Testamento. Sua obra mais conhecida, Prolegômenos à História de Israel (1876), tornou-se marco fundador da chamada Hipótese Documentária, segundo a qual o Pentateuco não foi escrito por Moisés, mas seria o resultado da fusão de quatro fontes distintas — geralmente identificadas como J (Javista), E (Eloísta), D (Deuteronomista) e P (Sacerdotal) — compiladas ao longo de séculos por diferentes grupos religiosos.

Wellhausen argumentava que essas fontes refletiam interesses teológicos, políticos e culturais específicos de cada período, especialmente da época do exílio babilônico. Assim, o Pentateuco, em vez de ser uma revelação unificada e divinamente inspirada, seria um produto evolutivo da religião israelita, moldado por mãos humanas ao longo do tempo.

Essa teoria, embora apresentada como “científica” e “objetiva”, representou uma ruptura radical com a tradição judaica e cristã, que por milênios aceitou Moisés como o autor principal dos cinco primeiros livros da Bíblia.


A Bíblia como Testemunha de Si Mesma: A Evidência Interna da Autoria Mosaica

Um dos princípios fundamentais da hermenêutica bíblica é que a Escritura é sua própria melhor intérprete. Ao examinar os textos do Antigo e do Novo Testamento, a evidência interna em favor da autoria mosaica é abundante e inequívoca.

O próprio Antigo Testamento atribui diretamente a Moisés a redação de importantes seções do Pentateuco:

·         Em Êxodo 17:14, Deus ordena a Moisés: “Escreve isto para memorial num livro”, referindo-se à vitória sobre Amaleque.

·         Em Êxodo 24:4, lemos: “Moisés escreveu todas as palavras do Senhor” após a aliança no Sinai.

·         Em Êxodo 34:27, o Senhor diz a Moisés: “Escreve estas palavras”, referindo-se aos mandamentos renovados.

·         Em Números 33:2, afirma-se que “Moisés escreveu as suas partidas” durante a jornada no deserto.

·         Em Deuteronômio 31:9, lemos que “Moisés escreveu esta lei” e a entregou aos sacerdotes.

Além disso, Deuteronômio 31:24–26 relata que Moisés concluiu a escrita do livro da Lei e o colocou ao lado da arca da aliança, como testemunho perpétuo.

Essas passagens não apenas sugerem, mas afirmam claramente a atividade escrita de Moisés como autor de grande parte do Pentateuco.


O Testemunho do Novo Testamento: Cristo, os Apóstolos e a Fé na Lei Mosaica

Ainda mais decisiva é a posição do Novo Testamento, especialmente a de Jesus Cristo. Se a Bíblia é a Palavra de Deus, e Cristo é a encarnação da Verdade, então Sua atitude em relação às Escrituras é determinante para a fé cristã.

Jesus repetidamente atribuiu a Moisés a autoria da Lei:

·         Em Mateus 8:4, ordena ao leproso curado: “Vai, mostra-te ao sacerdote e oferece o presente que Moisés determinou”.

·         Em Mateus 19:7–8, discute sobre o divórcio com base na “lei de Moisés”.

·         Em Mateus 22:24, cita os saduceus que referem-se à “lei de Moisés” sobre a levirato.

·         Em Marcos 7:10, Jesus menciona: “Honra teu pai e tua mãe”, como Moisés disse.

·         Em Lucas 24:27, ressuscitado, “explicou-lhes o que estava escrito a respeito dele em todas as Escrituras, começando por Moisés”.

·         Em João 1:17, declara com clareza: “A lei foi dada por intermédio de Moisés”.

Essas afirmações não são meras convenções culturais; são declarações teológicas de Jesus sobre a origem e autoridade da Lei. Negar a autoria mosaica do Pentateuco implica, necessariamente, em colocar em dúvida a veracidade do próprio Cristo — pois Ele aceitou e ensinou essa tradição como verdadeira.

O apóstolo Paulo também confirma essa visão. Em 2 Coríntios 3:15, fala da “leitura de Moisés”, e em Atos 6:14, os acusadores de Estêvão o denunciam por “blasfemar contra Moisés e contra Deus”, evidenciando que a Lei era comumente identificada com Moisés no judaísmo do primeiro século.


As Consequências do Modernismo: O Colapso Moral e a Crise Espiritual

A rejeição da autoria mosaica do Pentateuco não é um mero debate acadêmico. Tem implicações profundas e duradouras para a fé cristã e para a sociedade como um todo.

Quando se mina a credibilidade das Escrituras como Palavra inspirada, infalível e inerrante, mina-se também o fundamento da moralidade cristã. O modernismo teológico, ao promover uma leitura desacreditada da Bíblia, abriu as portas para o subjetivismo ético, o relativismo religioso e o esvaziamento doutrinal das igrejas.

É significativo notar que esse processo de secularização teológica ocorreu em um contexto europeu — especialmente na Alemanha protestante — onde o pensamento crítico liberal enfraqueceu a fé histórica. Esse vazio espiritual criou um terreno fértil para ideologias totalitárias, como o nazismo, que se aproveitaram de uma sociedade já desenraizada de seus valores judaico-cristãos.

Basta lembrar que Adolf Hitler não atacou diretamente a religião popular, mas sim explorou o vácuo deixado pelo declínio da ortodoxia. Quando a Bíblia é tratada como um mero documento humano, sujeito a revisões e interpretações ideológicas, a sociedade perde seu norte moral. E, como advertiu o próprio Jesus, “onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mateus 6:21). Quando o tesouro é a verdade das Escrituras, o coração se alinha com Deus. Quando o tesouro é a crítica racionalista, o coração se desvia.


Conclusão: Retornar à Fé dos Apóstolos e de Cristo

O ataque modernista às Escrituras, encarnado na figura de Wellhausen e em seus seguidores, representa mais do que um desvio acadêmico — é uma tentativa satânica de desestruturar a fé cristã desde suas bases. O diabo não precisa destruir a igreja com perseguições diretas; basta que ele minasse a autoridade da Palavra de Deus, e a fé desmoronará por si só.

A lição é clara: a fé que não se sustenta na Bíblia como Palavra de Deus é uma fé sem fundamento. A ortodoxia cristã, desde os tempos apostólicos até os grandes reformadores, sempre defendeu a inspiração verbal e plenária das Escrituras. E Cristo, nosso Senhor e Mestre, não apenas aceitou, mas ensinou e viveu sob a autoridade da Lei de Moisés.

Portanto, os teólogos e eruditos que hoje negam a autoria mosaica do Pentateuco não estão apenas divergindo de uma tradição antiga — estão, na prática, rejeitando a autoridade de Cristo. Não seguem os passos do Salvador; seguem os caminhos do racionalismo, do ceticismo e da autonomia humana.

Diante disso, cabe à igreja fiel retomar com coragem a defesa da Bíblia como Palavra viva, verdadeira e infalível. Não por tradição, mas por convicção. Não por sentimento, mas por fidelidade ao testemunho interno das Escrituras e ao exemplo inabalável de nosso Senhor Jesus Cristo.

Que a igreja desperte para esta urgência: onde a Bíblia é honrada, Deus é glorificado; onde a Bíblia é desacreditada, a iniqüidade se fortalece.


Referências bíblicas citadas:

 

 


Êxodo 17:14; 24:4; 34:27; Números 33:1–2; Deuteronômio 31:9, 24–26; Mateus 8:4; 19:7–8; 22:24; Marcos 7:10; 10:3–4; 12:19, 26; Lucas 2:22; 5:14; 16:29; 20:28; 24:27, 44; João 1:17, 45; 5:45–46; 7:19, 22–23; 2 Coríntios 3:15; Atos 6:14.

 

 

 

 

C. J. Jacinto

 

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