O Lixo Do Mundo
Leonard
Ravenhill
O
que vem a ser “o lixo do mundo?” (1Co 4.13). Seria o ventre do mal, onde nasce
o crime organizado? Seria o gênio do mal que mobiliza as insurreições
internacionais? Ou seria a Babilônia? Ou, quem sabe, Roma? Seria o pecado? Ou
será que descobriram em algum lugar toda uma tribo de maus espíritos e deram a
ela esse nome? Ou talvez seja uma moléstia sexualmente transmissível?
Se levantarmos mil
suposições sobre essa questão obteremos mil respostas, e nenhuma delas estará
correta. A resposta certa é exatamente o oposto do que se poderia esperar. Essa
expressão “lixo do mundo” não designa homens nem demônios. E não é nada
de conotação maligna; é benigna. Não; não é nem benigna: é o melhor que pode
haver. Também não é nada material; é espiritual. Não tem nada a ver com
Satanás, mas com Deus. E não apenas é da igreja, mas um membro dela. E não
apenas um membro, mas o mais santo dela, a mais preciosa de todas as jóias.
Paulo diz: “Nós, os apóstolos, somos considerados lixo do mundo”. E logo
em seguida ele acrescenta a essa injúria um insulto, e intensifica a infâmia,
aumentando ainda mais a humilhação, pois afirma: “(somos) escória de todos”
(1Co 4.13).
Quando um homem chega a
dizer que é o lixo do mundo é porque não tem mais ambições pessoais; não possui
mais nada que alguém possa invejar. Não tem mais reputação — nada mais a zelar.
Não possui bens — e, portanto, mais nada com que se preocupar. Não tem mais
direitos — e, portanto, não está mais sujeito a sofrer injustiças. Que bendita
condição! Ele já está morto — então, ninguém pode matá-lo. E se os apóstolos
tinham tal estado de espírito, tal mentalidade, não foi à toa que eles “transtornaram
o mundo”. O crente que ainda abriga ambições pessoais deve pensar um pouco
nessa atitude dos apóstolos para com o mundo. E o evangelista popular, que
ainda não sofreu perseguições e vive segundo os moldes hollywoodianos, devia
pensar um pouco sobre o modo de ser daqueles homens.
Então, quem infligiu a
Paulo sofrimento maior que o que passou quando recebeu as cento e noventa e
cinco chicotadas, sofreu os três apedrejamentos e os três naufrágios? A rixosa,
carnal e crítica igreja de Corinto. Ela estava dividida pela carnalidade e por
dinheiro. Alguns deles tinham alcançado a fama e haviam-se tornado importantes
comerciantes da cidade. Então Paulo lhes diz: “Chegastes a reinar sem nós”.
Observemos o contraste gritante entre o verso 8 e o 10, de 1 Coríntios 4: “Já
estais (vós) fartos, já estais (vós) ricos: chegastes (vós) a reinar sem nós”. “Nós
somos loucos; nós (somos) fracos; nós, desprezíveis; sofremos
fome, e sede, e nudez”. Mas há uma compensação no verso 9: “(Nós) nos
tornamos espetáculo ao mundo, tanto a anjos como a homens”.
Depois de tudo isso,
não era mesmo difícil para Paulo afirmar que ele era “o menor de todos
os santos”. E ele levanta essas verdades para confrontar aqueles cuja fé tinha
perdido seu foco central. Aqueles coríntios estavam fartos, mas não eram
livres. (Se um homem escapa da prisão, mas ainda tem as pernas presas em
correntes, não está livre.) Mas o apóstolo não está aborrecido pelo fato de
eles desfrutarem de abundância e ele não ter nada. Ele lamenta que a riqueza
tenha resultado em fraqueza de alma. Eles vivem em conforto, mas não têm a
cruz. São ricos, mas não conhecem o vitupério de Cristo. Não chega a afirmar
que eles não pertencem a Cristo, mas que estão buscando um caminho mais suave
para chegar ao céu. E então diz: “Sim, oxalá reinásseis para que nós
também viéssemos a reinar convosco”. Se eles estivessem reinando de fato, então
Jesus já teria voltado; eles estariam vivendo o milênio, e, como diz Paulo: “Nós
estaríamos reinando com vocês”.
Mas quem aceita ser
desonrado, desprezado e desvalorizado assim? Essa verdade é revolucionária, e
põe em cheque nossa doutrina cristã falsificada. Teremos nós prazer em
ser considerados loucos? Será que suportaremos ver nosso nome jogado por aí,
difamado? O verdadeiro cristianismo é mais revolucionário do que o comunismo,
embora, naturalmente, não provoque derramamento de sangue. As máquinas do
socialismo tentaram terraplanar os “montes” das riquezas, para aterrar os “vales”
da pobreza. Pensaram que, dando educação a todos, iriam “retificar o que é
tortuoso”, acharam que com um ato do congresso com um mero aceno da varinha de
condão da política, iriam introduzir o milênio tão esperado. Mas na Rússia isso
implicou apenas na mudança da chefia; o pessoal das camadas inferiores
continuam na camada inferior. Hoje em dia há milhões de pessoas que enriquecem
pelo empobrecimento de outros. E Paulo afirma que ele era pobre, mas estava “enriquecendo
a muitos”. Graças a Deus que o dinheiro de Simão, o Mago, continua não
obtendo nada do Espírito Santo. Se nós ainda não aprendemos a avaliar
corretamente as “riquezas de origem iníqua”, como Deus poderá confiar-nos a “verdadeira
riqueza?”
Então Paulo, que era
material e socialmente falido, achava-se incluído entre os seletos relacionados
como “o lixo do mundo”. Certamente isso o ajudou a entender que, sendo lixo,
seria pisado pelos homens.
Embora fosse capaz de
debater com filósofos, estóicos, epicureus no Areópago, por Cristo estava
disposto a ser tachado de “louco”. O antagonismo do mundo para com Jesus
é fundamental e perene.
Irmãos, será que temos
essa mesma disposição? Nada nos irrita mais do que ser associados a pessoas
incultas e ignorantes, apesar de sabermos que o homem que escreveu o
Apocalipse era inculto e ignorante. Hoje em dia, estamos contaminados por um
terrível mal: os pastores estão mais preocupados em encher a cabeça de
conhecimentos do que ter um coração em chamas. Quando uma pessoa aprecia
muito a intelectualidade é melhor que termine os estudos antes de
assumir o púlpito. Pois, depois que o assumir, de nada lhe valerão os títulos
que puder obter, já que as vinte e quatro horas do dia serão curtas para que
apresente os nomes de suas ovelhas perante o “grande Pastor”, ou cumpra a
suprema responsabilidade de preparar-lhes o alimento espiritual. As coisas
espirituais se discernem espiritualmente (e não psicologicamente). Nem
Deus mudou, nem mudaram seus pensamentos. Por desígnio dele, ainda existem
verdades que estão ocultas para os entendidos e que são reveladas “aos pequeninos”.
E os pequeninos, meus irmãos, não possuem um intelecto privilegiado. A igreja
de hoje está-se gabando do elevado Q.I. dos seus ministros. Mas, antes que
alguém se glorie na carne, convém levar em conta que estamos presenciando um
dos mais baixos índices de conversões, pois o diabo, irmão Apolo, não se
impressiona com sua riqueza verbal.
A linha demarcatória
que distingue o crente do homem do mundo é bem definida, bem delineada, mas
está totalmente desmoralizada na prática. Os peregrinos de Bunyan, ao chegar à “Feira
da Vaidade”, constituíram um verdadeiro espetáculo, pois se achavam em
flagrante contraste com o povo mundano em seu modo de vestir, de falar, em seus
interesses e senso de valores. Isso ainda acontece hoje?
Durante a última
guerra, um general do exército britânico fez a seguinte afirmação: “Precisamos
ensinar nossos soldados a odiar, pois se tiverem bastante ódio pelo inimigo
lutarão contra ele”.
Nós já ouvimos muita
coisa sobre o perfeito amor (embora ainda não tenhamos ouvido o suficiente).
Mas agora precisamos também aprender a “irar e não pecar”. O crente cheio do
Espírito deve detestar o mal, a iniqüidade e a impureza, e só assim lutará
contra essas coisas. Paulo odiava o mundo e por isso o mundo o odiava. Nós também
precisamos dessa mesma disposição de fazer oposição.
O evangelista Stanley
escreveu “Darkest Africa” (A Face Escura Da África) e o General Booth, fundador
do Exército de Salvação, “Darkest England” (A Face Escura Da Inglaterra), em
meio a forte oposição. O primeiro falava das florestas impenetráveis, de
árvores altíssimas, com seus leopardos à espreita, suas serpentes traiçoeiras e
com os espíritos das trevas. Booth via as ruas da Inglaterra com os mesmos
olhos com que Deus as via: a lascívia, os esgotos de pecado, a cobiça do jogo,
o perigo da prostituição. E então levantou um exército para combater essa
situação em nome de Deus. Hoje nossas próprias ruas são campos missionários.
Esqueçamos por um pouco que nossa sociedade é civilizada, pois é possível uma
senhora elegante, de belas maneiras e voz suave estar tão longe de Deus quanto
uma selvagem da tribo Mau-Mau, com seu saiote de capim. Em nossas cidades
campeia a impureza. O crente que passa as noites em frente da televisão, a
devanear, está com o cérebro morto e a alma em falência espiritual. E vivendo
assim, indiferente à licenciosidade que impera nestes dias, a ponto de não
chorar por causa da cegueira que domina o pecador, faria melhor se pedisse a
Deus que terminasse logo sua vida terrena. Hoje, cada rua de nossa cidade é um
poço de pecado, bebida, divórcio, trevas e condenação. E se alguém tomar uma
posição contrária a todos esses males, não deve admirar-se se o mundo o odiar.
Se fôssemos do mundo, ele amaria o que era seu.
Paulo declara
firmemente: “O mundo está crucificado para mim”. Será que isso é demais
para o crente do século XX? O morro do Gólgota recebia muitas visitas de curiosos
que ali iam para assistir à humilhação dos malfeitores. E aquilo era uma
verdadeira festa; zombava-se do sofrimento. Mas, no dia seguinte, quem eram os
primeiros a chegar ao local? Os primeiros eram os urubus — que iriam bicar os
olhos das vítimas, e a carne das suas costelas. Depois eram os cães, que
devoravam as pernas e braços dos infelizes. Assim, todo deformado, com as
entranhas à vista, o indivíduo era um espetáculo horrendo. E era assim que
Paulo via o mundo crucificado — nada atraente aos olhos dele.
Possamos nós também
tremer interiormente e repetir, com lábios trementes, a mesma afirmação do
apóstolo: o mundo está crucificado para mim. Só depois que estivermos
mortos para o mundo com todos os seus prazeres, sua glória fútil e alegrias
efêmeras, poderemos experimentar a mesma libertação que Paulo conheceu. Mas a
realidade é que nós, os seguidores de Cristo, respeitamos as opiniões do
mundo, e buscamos sua apreciação e suas condecorações. Um moderno crítico da
igreja diz que atualmente o deus do crente é o ouro, e o seu credo é a cobiça.
Mas graças a Deus que ainda existem algumas exceções a essa regra.
E esse bendito homem,
Paulo, para quem o mundo estava crucificado, era considerado “louco”. E mais,
ele apresentava sua mensagem de tal forma que alguns procuraram matá-lo, pois
ele representava uma ameaça para o comércio deles. Esses apóstolos, com todo o
seu santo e sadio desdém pelo mundo e pelas pessoas do mundo nos deixam
humilhados.
"Eles escalaram a
íngreme ladeira para o céu
Em
meio a perigos, sofrimento e labor.
Ó
Deus, dá-nos a graça
De seguirmos as suas
pegadas”.
Muito breve estaremos
dizendo adeus à perecível vida terrena e saudando o início da eternidade. Quero
desejar-lhe, prezado irmão, uma vida de serviço sacrificial para Aquele que foi
nosso sacrifício. Que também nós possamos terminar a carreira com gozo.
“Irmãos, se não levarmos uma vida reta diante de Deus, será
uma falsidade clamarmos por um avivamento, dia e noite, meses e meses seguidos.
Temos que perguntar a nós mesmos: meu coração está puro? Minhas mãos estão
limpas?”
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