A Aposta de Pascal: um convite à prudência existencial
Como a razão, a natureza e a experiência moral apontam para além do horizonte visível
1. O ponto de partida: razão e fé não são inimigas
No século XVII, Blaise Pascal – matemático que fundou a teoria das probabilidades, físico que experimentou o vácuo e místico que escreveu os Pensamentos – colocou no centro do debate religioso uma pergunta aparentemente simples: “Como decidir sobre Deus quando a evidência não é absoluta?” Sua resposta, conhecida como “A Aposta”, não pretende provar Deus; pretende mostrar que, diante da incerteza, a escolha mais racional é abrir-se para a transcendência. Em termos de teoria dos jogos, trata-se de uma estratégia de minimização de perdas e maximização de ganhos:
· Se Deus existe e vivemos como se Ele existisse, ganhamos tudo (vida plena agora e eternidade na presença de Deus).
· Se Deus não existe e vivemos como se existisse, perdemos pouco – apenas alguns prazeres ilícitos ou vaidades.
· Se Deus existe e vivemos como se não existisse, perdemos tudo (separação eterna da fonte do bem).
A lógica é brutalmente honesta: diante de um cenário de risco assimétrico, a postura “ateísta” é racionalmente imprudente.
2. A experiência moral: leis escritas no coração
Pascal parte da observação: todo ser humano, mesmo em sociedades sem Bíblia, reconhece o valor de leis morais. Quando violadas, surgem culpa, vergonha e demanda por justiça. Isso sugere que a moral não é mera convenção social, mas indicação de um “legislador” transcendente. A frase paulina “Tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6,7) ecoa na vida cotidiana:
· Quem semeia injustiça colhe desconfiança, processos, solidão.
· Quem semeia integridade colhe credibilidade, paz interior, relações duradouras.
A “lei da colheita” opera mesmo quando a justiça humana falha. Essa regularidade moral não prova Deus, mas torna plausível a hipótese de um juízo ulterior que conserte as injustiças não reparadas aqui – exatamente o que Hebreus 9,27 antecipa: “Está estabelecido que o homem morra uma só vez, vindo depois disso o juízo”.
3. O princípio da precaução aplicado à eternidade
No Direito e na Engenharia adota-se o brocardo in dubio pro reo ou, no trânsito, “Na dúvida, não ultrapasse”. A mesma lógica deveria reger a maior das apostas. Se existe até uma remota possibilidade de que nossas escolhas ecoem na eternidade, a prudência máxima é viver como se Deus existisse. A dúvida, longe de ser inimiga da fé, torna-se motor de sabedoria: ela nos impede de arriscar o irreparável.
4. Metamorfoses naturais: sinais de que a transformação é a regra, não exceção
A natureza ensina que o que hoje é larva pode amanhã ser borboleta; que uma ninfa de cigarra passa 17 anos no escuro antes de emergir em canto celestial. Essas mudanças radicais não são milagres episódicos; são padrão. Se o cosmos opera assim, por que considerar absurda a promessa de uma “metamorfose final” – a ressurreição, o céu, o inferno? A analogia não prova dogma, mas desmonta a objeção “isso é impossível”. Na trajetória evolutiva e biológica, o impossível cotidiano chama-se vida.
5. Os limites da percepção: o horizonte não é o fim do oceano
Olhar o mar e ver uma linha reta onde “acaba” a água é ilusão de ótica. A realidade ultrapassa o campo visual. Do mesmo modo, afirmar que “não há evidências de Deus” pode refletir mais a limitação de nossos instrumentos – seja o telescópio, seja o coração endurecido – do que a ausência do Objeto adorado. A ciência secular, por definição, mede o mensurável; não pode pronunciar-se sobre o meta-físico sem cometer a falácia categoria (transportar para o terreno do “espírito” as ferramentas do “matéria”).
6. Construindo uma vida “a favor da eternidade”
1. Intelecto: estudar as razões filosóficas e históricas que sustentam a fé, aceitando que a dúvida é espaço de humildade, não de cinismo.
2. Moral: adotar os mandamentos não como fardo, mas como estratégia de felicidade profunda – “para que o teu corpo viva em paz na terra” (Sl 25,13).
3. Comunhão: inserir-se em uma tradição viva (Igreja) onde a experiência de milhões converte a “aposta” em testemunho.
4. Espiritualidade: cultivar oração e leitura das Escrituras como antenas para o sobrenatural, repetindo com o pai do filho epilético: “Creio, Senhor; ajuda o meu incredulismo” (Mc 9,24).
7. Conclusão: a aposta que transforma o presente
A Aposta de Pascal não é “seguro fúnebre” para o pós-morte; é investimento que já rende dividendos: sentido ampliado, ética coerente, comunidade solidária, esperança que não envergonha. Quando a razão admite que o horizonte não é o fim, quando a natureza celebra metamorfoses impossíveis, quando a consciência clama por justiça que o tribunal humano não garante, a atitude racional é deixar-se interpelar pelo Mistério.
Se a eternidade for um céu, quem vive “como se” já entrou nele por antecipação. Se for um inferno, quem se prepara “como se” já escapou. E, no improvável caso de ela não existir, teremos perdido apenas o peso de vivermos como larvas quando éramos chamados a voar.
Soli Deo Gloria.
C. J. Jacinto

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