TRANSFORMADOS PARA O TESTEMUNHO


 


No magnífico romance “O Deserto dos Tártaros” o autor, Dino Buzzati, faz uma narrativa espetacular de um personagem chamado de Giovanni Drogo. O Conto é épico, pelo menos ao abordar a vida congelada pela inércia, uma paralisia vital que consome a vida de Drogo. A historia é simples e a lição é dramática, mostra como uma conformação com as circunstancias podem matar todo o sentido da vida. Drogo é comissionado para proteger uma nação, em uma fortaleza de fronteira, chamado de “forte Bastiani” o local foi palco de batalhas gloriosas em tempos remotos, mas a sua localização geográfica induziu a fortaleza ao sepultamento no tempo, uma espécie de jazigo insignificante onde mora a monotonia, mas há uma força mágica no local, a perspectiva de que os Tártaros novamente tentarão invadir, há uma guerra iminente, pelo menos na mente fértil daqueles que estão quase que aprisionados por uma expectativa improvável, mas que torna-se fértil no coração dos habitantes de Bastiani. O romance se desenrola nessa iminência de uma invasão dos Tártaros, mas a vida passa e a guerra nunca chega, até que a velhice vem, e então a percepção de que a vida caiu numa espécie de armadilha, uma falsa esperança, uma gloria que nunca raiou, o que marcou toda a trajetória por uma existência monótona.

 Quando li o romance, fiquei impactado, a questão que me veio ao coração, é: “Como posso aplicar isso a vida cristã”? lembro-me de uma artigo do Dr Thimoty Lin, ele aborda a questão da vida adâmica, herdada de Adão, temos a cegueira espiritual, inimizade contra Deus e indisposição de aplicar os valores espirituais da fé cristã á nossa vida. Por outro lado, na regeneração, Deus nos concede discernimento espiritual, reconciliação com Deus Pai e a disposição de amar a vontade de Deus o que nos leva para um movimento de vida em direção a Sua vontade e promessa.

O cristianismo não é uma fortaleza tipo “Bastiani” onde encerrou Giovanni Drogo numa vida monótona, a vida cristã não é um impasse para uma existência monótona, infrutífera e presa entre fortalezas, olhando para um deserto esperando que algo de extraordinária aconteça enquanto ficamos mergulhados num inércia existencial.

Quando lemos Atos dos Apóstolos, vimos que o “Caminho” não é somente um movimento, é o movimento nos termos de peregrinação e progresso. Não é um mergulho na estagnação, como a mulher de Ló, que se transforma em uma estatua de Sal. Não um condicionamento reduzido a um cubículo existencial, a fé é um movimento, é um progresso, mesmo na prisão José movia-se em direção a vontade de Deus, movia-se na vida espiritual, a prisão não era um cárcere espiritual, o céu estava aberto, como aconteceu com Paulo e Silas na prisão, Deus estava em movimento, em comunhão e em comunicação com eles. Da mesma forma, João na Ilha de Patmos, a sentença dada ao apóstolo amado seria um desterro, uma prisão numa ilha inóspita, geograficamente João estava limitada, mas é ali que o céu se abre, o tempo se movimenta, os anjos tocam trombetas, as janelas do futuro se abrem, anciãos adoram, a Nova Jerusalém pode ser contemplada, a visão panorâmica é atemporal. É um movimento espiritual e João está dentro dele.

Não podemos permanecer na inércia, a vida cristã não é monótona, ela tem expectativas reais, na verdade a historia da vida humana é um mover-se em continuo, cito novamente Thimoty Linn, ele escreveu: “Estamos presos entre a atração gravitacional do pecado e da morte que nos atrai para o mundo e a contra-lei da nova vida em Cristo Jesus que nos puxa simultaneamente em direção a Cristo.” O que precisamos é sentir onde o vento impetuoso soprou no pentecostes, e seguir na mesma direção. A maioria dos cristãos que conheço, estão presos á uma fortaleza, a vida cristã se resume a ir um ou dois cultos no templo durante a semana, um serviço espiritual que se reduz a apenas algumas poucas horas, duas no máximo e se o culto for antropocêntrico, como é a tendência pós-moderna, então as coisas estarão ainda piores.

Reduzir a fé cristã aos serviços de culto num templo e somente a isso é reduzir o cristianismo a uma “Fortaleza Bastiani” o tempo passa e o que ocorre é uma viver debaixo de uma monotonia, uma inércia, estamos esperando um “vinde” sem contudo seguir para um “Ide”. Estatuas inertes numa religião morta não são expressões de um cristianismo que proclama ressurreição. Quando Deus criou todas as coisas, criou dentro de um movimento, há átomos em movimento, partículas vibrando, o universo está em movimento, o tempo também está. Deus está no Seu trono, e Seus propósitos estão se cumprindo na historia, mas principalmente na nossa historia. Precisamos deixar que o Senhor quebre as ataduras do nosso jugo (Ezequiel 34:27).

 Então o que devemos fazer? “Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hebreus 13:13) movendo-se pela causa de Cristo e do Evangelho. Os verdadeiramente livres são os que realmente nasceram de novo, estes nunca permanecem na estagnação, seguir a Cristo  não é ficar cravado no tempo, é seguir em movimento continuo em direção aos propósitos e à vontade de Deus. É um desafio derrubar as fortalezas que nos aprisionam em falsas expectativas. Queremos avivamento? nós precisamos ir para o quarto secreto e orar, queremos ver o crescimento do Reino de Deus? Precisamos sair e evangelizar, visitar e proclamar, ainda que seja levando o vitupério de Cristo, ainda assim precisamos prosseguir, mesmo em tempos de perseguições, mesmo em lugares inóspitos.

Nós não podemos construir uma teologia com base em nossos pontos de vista, não podemos fazer do cristianismo uma religião de agenda, onde marcamos alguns compromissos semanais e tudo estará bem. A fé cristã é do dia a dia, é batalha constante, é vigilância constante, é oração constante, é testemunho constante, é viver a vida de Cristo e entrar no paradoxo da fé, pois também devemos nos identificar com a morte dEle, como disse Paulo “Estou crucificado com Cristo, e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”(Gálatas 2:20)

É com grande pesar que tenho de admitir que as denominações transformaram os templos em “fortalezas Bastianis” a maioria dos cristãos ficam presas lá dentro, tudo se resume em algumas horas de culto fechado em quatro paredes, durante o resto do tempo, os frequentadores raramente se lembram que são cristãos. Quais as expectativas numa situação dessas? Há evidencias de fruto do Espírito em tais pessoas? Será que é normal toda a indiferença do cristão, quando o mundo perece? Olhe para a situação em muitos lugares, onde Paulo associa muitas vezes o cristão como um soldado e em uma batalha, de certa forma uma batalha agonizante como declarou Judas na sua epistola universal (Capitulo 1:3) para muitos, cristianismo é diversão, é entretenimento, essa divergência de caráter espiritual pode ser apenas um alerta para revelar o quanto alguém pode estar longe dos padrões bíblicos que evidenciam o caráter e as qualificações de um verdadeiro homem de Deus.

Quando o Senhor libertou os Hebreus do jugo pesado da tirania do faraó egípcio, parece que houve uma tendência a estagnação no deserto, eles estavam flertando com a inércia o que sinalizava uma inaptidão para a conquista da terra prometida. Esse principio espiritual serve também para nós. O Senhor disse a Moisés: “Dize aos filhos de Israel que marchem” (Êxodo 14:15)

Da mesma forma Cristo disse que não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de um cesto, não podemos aprisionar uma luz, ela deve ser colocada na posição estratégica pela qual ela existe sob a demanda da expressão funcional do seu brilho: iluminar a todos os que estiverem ao seu alcance. Note bem que é o mundo que está em trevas, é nele que devemos brilhar. “Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo” (Filipenses 2:15) resplandecência é luz em movimento, é se expandindo, a luz da gloria do evangelho deve brilhar diante de um mundo desesperado.

Então nunca devemos cair na armadilha do conformismo, devemos quebrar as paredes da nossa zona de conforto. Em “O Deserto dos Tártaros” o principal personagem ficou encantado no torpor de uma vida monótona sustentada por falsas esperanças. Suponho que muita gente abraçou um cristianismo falso, de emoções e entretenimento, um evangelho sem cruz, portanto sem identificação com a morte de Cristo e tragicamente também sem a identificação com a ressurreição de Cristo. Isso significa que ao seu lado podem existir pessoas alimentando falsas esperanças, elas aguardam um “Céu” como um seguro de vida, pois pregadores afirmam que elas estão salvas por frequentarem uma denominação. Quando na verdade, a vida eterna se experimenta a partir do momento em que a pessoa se arrepende de seus pecados e crê na obra consumada e perfeita de Cristo, crê que Cristo é o Salvador, Jesus afirmou com relação as suas ovelhas: “Dou-lhes a vida eterna” (João 10:28) Cristo não prometeu uma vida eterna futura, não no modo da compreensão convencional da cristandade, que coloca a vida eterna como um fenômeno experimental do ser, como uma condição pós-morte, mas uma vida eterna (Vida Zoe) no momento que crê nEle como Senhor e Salvador. A vida eterna se experimenta no momento da regeneração, sua consumação plena se dará no mundo vindouro, mas quem de fato crê em Cristo já passou da morte para a vida (João 5:24) João testifica esse fato posteriormente “Passamos da morte para a vida” (I João 3:14)

Que o Senhor possa nos dar sobriedade quanto ao assunto, que possamos ser pregadores de telhado, ou ainda pregadores do deserto, como foi João Batista, fora das paredes de uma fortaleza que nos prende e nos coloca sobre falsas perspectivas espirituais.

 A essas alturas, alguns dos leitores podem achar que estou me posicionando contra os cultos nos templos, uma tendência pós-moderna que é observada em nossos dias. Longe disso, um templo evangélico pode ter seus benefícios, para abrigar, proteger e reunir em um só lugar todos os irmãos, o que me oponho é transformar o templo em um cárcere, uma masmorra onde a fé cristã seja limitada aos caprichos de uma religião morta e impotente para anunciar a mensagem da cruz e formar soldados portadores da luz da gloria do evangelho, homens que possam impactar o mundo com uma mensagem viva e um testemunho verdadeiro.

C. J. Jacinto

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