A Identidade do Próximo
no Conceito Cristão.
Na antiga aliança o
conceito do próximo estava associado ao nosso semelhante, qualquer um deles que
deveria ter a reputação e a até a vida, protegidas por nós. (Êxodo 2:13, 16, 17
Levitico 19:13, 15 e 18 etc.) É um conceito doutrinário de dignidade, equidade
e amor. Frente a esse fato, conseguimos ler a parábola do bom samaritano com um
valor intrínseco na misericórdia, pois ela é um reflexo da gestão divina na
economia do perdão aos pecadores. É claro que os valores atribuídos ao próximo
pelos escritos mosaicos e pelo Antigo Testamento estão corretos, e sem dúvida devem ser aplicados ao nosso cotidiano. a lição clara da parábola é que devemos
prestar auxílio a quem precisa, o mesmo se dá para quem precisa de socorro. É
responsabilidade de o cristão ter uma vida espiritual plena a fim de conceder
cura para os espiritualmente feridos. Dentro da parábola, a vítima sofre as
dores físicas e a psicológica e quase sempre, as feridas da alma, são chagas
mais difíceis de tratar.
Há todo um conjunto de
personagens na parábola, os salteadores, a vítima, o sacerdote, o levita, o
samaritano, o dono da hospedagem. É interessante, todos são personagens anônimos. Como se representasse o cenário social normal para qualquer época, e
cada um se identifica com algum deles. Mas há um que é peculiar, por ser o
centro da mensagem, e é atribuído somente no fim da parábola, como o resultado
de uma ação digna do homem.
Qualquer leitor que
faça uma leitura superficial das Escrituras onde se encontra a parábola
mencionada entende que o próximo deveria ser a vitima dos salteadores. De fato,
interpretamos na vida cotidiana esse principio: o próximo é nosso semelhante
que precisa de ajuda, consolo, socorro e apoio. Isso não é errado, mas a parábola
que Cristo fez no discurso não apresenta a vitima ferida como o próximo.
Entender isso nos leva para a transcendência da compreensão do discurso do
Salvador. Porém, antes, digo que, o personagem judeu, ferido, caído,
desprotegido ocupa um lugar de destaque e importância na história santa. Assim
a importância dos dois dentro do contexto da história é muito relevante. Nos
versículos 36 e 37 do capítulo 10 de Lucas é feita a pergunta, quem seriam o
próximo da vítima? E a resposta dos judeus tem a confirmação de Cristo, foi
quem usou de misericórdia do judeu ferido: o samaritano. Assim concluímos, que; o samaritano é o
próximo do ferido e não o contrário.
O que então aprendemos
com isso? Cristo dá o valor devido ao cristão que é misericordioso, o homem
bondoso não deve ser esquecido, deve ser lembrado e valorizado. E como isso
pode ser de tão grande importância para os nossos dias? porque vivemos em uma
era de grande egocentrismo, humanismo, hedonismo e egoísmo. A reação do
samaritano é uma lição de grande resplendor moral e espiritual. Ele é o próximo
de quem não pode andar por si mesmo, não pode pensar por si mesmo, não pode
viver por si mesmo, pois está semimorto, está em um estado de letargia, os
ferimentos causados lhe impõe a dura condição de absoluta dependência do
próximo, para se reerguer da sua condição moribunda.
Hoje em dia, é raro o
coração que apresenta um amor tão puro e verdadeiro que seja capaz de mover-se
em torno da importância suprema de que uma pessoa que está às portas da morte
precisa de grande ajuda, um ser atribulado pelo esmagar das aflições precisa de
consolo, e vimos na parábola que o samaritano está se despindo de sua vida para
viver na vida do outro, foi exatamente isso que Cristo fez por nós. Ele pára o
seu viver, a sua marcha é interrompida por um momento, e então os seus
interesses são cancelados e outro projeto é posto em prática, ele dá seu vinho,
seu óleo, sua montaria, seu tempo, sua atenção, seu amor, seu dinheiro. Vamos
ser realistas, líderes cristãos com essas qualidades hoje em dia são raros, o
mesmo fato se aplica a cristãos de um modo geral. Olhe para o sacerdote e o
levita, eles passam de largo. Nada pode ser tão devastador para o testemunho
cristão do que viver uma religião pautada no egoísmo e benefícios pessoais.
Nós não queremos se
envolver com os que vão reduzir a marcha do processo religioso, nós não queremos
algo que atrapalhe o curso da nossa rotina. Hoje em dia, quase sempre ouvimos a
mensagem motivacional de conquistar nossos sonhos, não estamos interessados com
quem nos ameaça com prejuízos, queremos ter vantagens em tudo. Tudo o que mexe
com nosso bolso e tire nossas posses é quase sempre descartado e evitado, então
agimos como levitas e sacerdotes têm nome de que estão vivos, mas estão mortos,
todas as vezes que um homem apresenta morte moral isso já é conseqüência da sua
morte espiritual. A condição do levita e do sacerdote era tão ruim
espiritualmente quanto o judeu ferido fisicamente. A grandeza da ação do
Samaritano é que ele é o próximo do judeu desfalecido, ele desce, se ajoelha,
entra na dor do outro, doa-se ao outro, ele tem remédio real, socorro real,
compaixão real, amor real, discernimento real, ação verdadeira, o modelo da
vida do samaritano é tocar em Deus através da ferida de um sofredor, para perceber na humanidade a
imagem de Deus, ainda que maculada pelo pecado, ainda que potencialmente
desintegrada pela impiedade, há resquícios da restauração dessa imagem, na
medida em que deixemos que Cristo viva em nós e que a imagem de Cristo fique
impressa na nossa vida cotidiana. O samaritano nos diz com sua ação, o apelo de
sua conduta verbaliza a verdade de que enquanto existirem pessoas sensíveis e
verdadeiramente cristãs, nosso mundo ainda pode encontrar alguma esperança,
verdadeiro amor, verdadeira compaixão, verdadeira justiça, verdadeira equidade.
O samaritano é o modelo
do homem cheio de graça, sem um amor divino derramado no nosso coração pelo Espírito
Santo, não podemos agir com verdadeira compaixão. A vida de sacrifício cristão é sempre um doar
da vida em prol do outro (I João 3:16). A questão essencial da vida cristã é o
modo como vimos as coisas a nossa volta. Veja que o sacerdote e o levita viram,
eles enxergaram, mas passaram de largo. O samaritano também viu, mas cessou a
sua marcha enquanto que os outros se distanciaram, ele se aproximou, e quanto
mais próximo estamos da dor do outro, mas vimos a gravidade do seu sofrimento.
Essa é a visão, a primeira coisa que entendemos como vida espiritual é um olhar
para nossa miséria e o olhar de Cristo para essa condição, e o agir de Cristo
para resolver o problema da nossa condição miserável conseqüente da queda.
Assim, nesse contexto espiritual, nós também somos homens semimortos a beira do
caminho da vida. A outra visão é horizontal, de homem para homem. Ajudamos os outros,
porque Cristo nos ajudou, socorremos o outro, porque Cristo nos socorreu, vamos
ao encontro do outro, porque Cristo veio ao nosso encontro, e agimos de modo a
se compadecer do outro, porque foi exatamente isso que Deus em Cristo fez por
nós.
Sem merecer. Veja que
não havia um motivo segundo a lógica social mundana, de um samaritano socorrer
um judeu, a moralidade adâmica não permite que um inimigo desprezível seja um
socorrista. O toque da impureza seria incompatível com as feridas de um eleito,
essa seria a base do raciocínio de um judeu que discriminava um samaritano. A
Samaria era outro mundo, um povo a parte, mas as barreiras foram quebradas, e o
samaritano, representante genuíno de um homem bom, generoso, compassivo, sensível,
justo e responsável, veio em socorro ao ferido.
Nosso mundo carece de homens bons, a bondade
vestida com o linho da humildade, aquecido pela glória do evangelho, faz com
que um redimido viva uma vida de sacrifício de amor por honrar a Deus e viver
para a sua glória.
Que possamos despertar
para essas preciosas lições, a espiritualidade autentica, viver dia a dia, o sacrifício
vivo do amor, não pagar o mal com o mal, o momento crucial da parábola seria àquela
hora apropriada para um samaritano vingar-se dos judeus, mas o derramar do amor
cuidadoso, revelou que o samaritano estava num nível acima da humanidade comum,
em que nível nós estamos? Como naquela hora escura da escolha entre Cristo e
Barrabás, a humanidade mostrou o nível da obscuridade do discernimento precário
em que estavam, quando o verbo que se fez carne estava o lado de Barrabás, a
escolha de uma soltura caiu à Barrabás, enquanto que ao mais bondoso de todos
os homens coube a sentença terrível da cruz.
Assim nós cristãos,
estamos obtendo visão e discernimento em graça e em verdade para viver a vida
da dor humana, e chorar as dores alheias como um meio de interagir com o céu e trazê-lo
ao mundo?
Que o Senhor abra os nosso olhos, para ver com o coração, compreender com um juízo equilibrado e agir debaixo da vontade de Deus e assim viver a vida de Cristo, tal como se a Ele fosse toda a dedicação da nossa existência.
Clavio J. Jacinto
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